ÉRAMOS
TÃO JOVENS
“PRIMEIRO
ATO”
De
Marcondys França
PERSONAGENS
LEILA
GESY
IVAN
MARCONDYS
ERIKA
ELENILTON
LUCIANO
CIÇA
IVETH
PEÇA
EM UM ATO
CENA I
MARCONDYS:
-
Então você assiste, quer dizer, ouve a novela Pantanal pelo rádio?
IVAN:
-
È isso mesmo.
MARCONDYS:
-
Aqui na cidade não passa a Manchete...
IVAN:
-
Lá dá pra ouvir a novela pelo rádio.
MARCONDYS:
-
Isso é tão surreal.
IVAN:
-
Falando assim faz com que eu me sinta...
MARCONDYS:
-
Desculpa Ivan. Não foi minha intenção. Sabe, desde que cheguei a está cidade,
tudo parece tão irreal.
IVAN:
-
Imagino! Deve ser maravilhoso morar no Rio de Janeiro.
MARCONDYS:
-
E é mesmo. Nunca pude imaginar que em 1989 ainda poderia haver uma cidade onde
parte da Rua tem energia elétrica, telefone, só por ramal, televisão só tem
sinal de um canal, o diretor da minha escola, é o mesmo que atende como
dentista, e que só aparece raramente, quando quer. Meu professor de matemática
frequenta as aulas bêbado, a de história e geografia nunca aparecem nas
segundas, porque encheu a cara no fim de semana e está de ressaca, nosso ótimo
professor de ciências e que me odeia, é viciado em ditar o livro quase que
inteiro pra passar a aula. Trabalho não por competência, mas, por indicação...
É, realmente um mundo muito estranho.
IVAN:
-
É realmente você tem razão. Mas sabe cara, eu tenho a certeza que um dia, eu
vou sair dessa cidade e vou pra bem longe... e minha vida vai mudar.
MARCONDYS:
-
Nesse fim de mundo a única chance que teremos de viver algo extraordinário e
indo pra bem longe daqui.
IVAN:
-
Que pretende fazer quando terminar o segundo grau?
MARCONDYS:
-
Vou pra bem longe desse lugar. Sabe, às vezes me sinto como se fosse um
personagem da novela Tieta do Agreste. Uma cidade no meio do nada, com gente
muito simples, sem nenhuma pretensão, já conformados com a vida que levam...
Que veem o único ônibus, a marionete, partir e chagar duas vezes ao dia. Sabe
|Ivan, a cada vez, que esse ônibus parti, leva com ele um pouco de mim, e o que
fica, morrer pouco a pouco.
IVAN:
-
Eu quero ir embora daqui.
MARCONDYS:
-
Tá certo. E você quer ir pra onde?
IVAN:
-
São Paulo, Rio... Mas, pra mim será mais fácil o Rio. Tenho parentes lá.
MARCONDYS:
-
Bacana! Vai gostar.
IVAN:
-
Mas, você quer ser artista?
MARCONDYS:
-
Sou artista!
IVAN:
-
Mas, e a igreja?
MARCONDYS:
-
Deus sabe, que sem minha arte, não serei feliz.
IVAN:
-
A igreja condena os artistas.
MARCONDYS:
-
Não sirvo a igreja. E sim a Deus! Até cometi um pecado...
IVAN:
-
É mesmo?
MARCONDYS:
-
É.
IVAN:
-
Que fez de errado?
MARCONDYS:
-
Fui ao cinema escondido.
IVAN:
-
Eita! Que assistiu?
MARCONDYS:
-
Ghost. Chorei horrores. Mas ri também. Cara é lindo. Me imaginei naquela tela.
IVAN:
-
Deve ser maravilhoso ser visto naquele telão.
MARCONDYS:
-
Verdade. Um dia eu estarei ali.
IVAN:
-
Nunca fui ao cinema.
MARCONDYS:
-
Um dia vai.
IVAN:
-
Pena que seu Lourival acabou com nossa peça.
MARCONDYS:
-
Ridículo! Um inspetor presbítero querendo colocar o terror na escola.
IVAN:
-
Está muito furioso contigo.
MARCONDYS:
-
Graças a ele fui afastado do conjunto de jovens. Não posso mais dublar, alias
era só isso que eu fazia quando subia ao púlpito. É por isso que já fui logo no
parque de diversão, subi na roda gigante, dancei lambada e pequei! (riem)
IVAN:
-
E agora? Que pretende fazer?
MARCONDYS:
-
Estamos em 1990. Vamos tentar, vamos inventar, Vamos fazer diferente...
IVAN:
-
Como?
MARCONDYS:
-
Vamos criar o nosso grupo de teatro. Afinal, escola nova, nova direção e eu
soube que o novo diretor é ator de teatro. Um ponto pra nós.
IVAN:
-
Como vamos fazer isso?
MARCONDYS:
-
Já tenho uma peça. Chama-se o casamento. Vamos pensar nas pessoas que queremos
conosco. Já até tenho uma ideia. Olha, o Virino pensei em você pra fazer e a
Maria Badalo na Iveth. Já o João eu faço, a Fátima a Leila, o padre o
Helenilton, o xerife o Luciano, a Bastiana a Ciça e a Fifi a Gesy. Que acha?
IVAN:
-
Legal. Se toparem.
MARCONDYS:
-
Já que não temos que fazer nesta cidade, vamos fazer arte... Meu caro, O
casamento será a peça que vai entrar pra história da cultura desta cidade...
IVAN:
-
já tem nome pro grupo?
MARCONDYS:
-
Pensei em: Cultura jovem de Mataraca. Que acha?
IVAN:
-
Eu gosto!
MARCONDYS:
-
Eu também. Então bora trabalhar... Você conversa com o pessoal, que eu vou
conversar com o diretor da escola, pra que possamos apresentar a peça aqui.
IVAN:
-
Então, mãos a obra.
CENA
II
LEILA: - Gentein...
Vocês estão sabendo?
GESY: - Quem não
sabe?
ERIKA: - Esse
diretor é fogo! Osso duro de doer...
ELENILTON: - Exigir
agora que todos usem, uniforme...
LUCIANO: - Não é
mais permitido entrar na segunda aula. Atraso na primeira aula, tolerância de
quinze minutos.
CIÇA: - Ouvi
falar que saia, só abaixo dos joelhos.
IVETH: - Onde já
se viu? Isso é uma escola ou um quartel?
Não crente!
GESY: - E o
retorno da ditadura, meu bem!
IVAN: - Gente,
estamos vivendo um momento muito importante na história do Brasil. Somos a
geração cara pintada...
MARCONDYS: - É
verdade. Podemos adotar em Mataraca o Impeachment do
diretor.
ERIKA: - Mas como
faremos isso?
ELENILTON: - Se ele
não cair, e descobrir quem começou tudo isto, estaremos ferrados...
LUCIANO: - Pode nos
perseguir e reprovar.
CIÇA: - Deus me
livre! Mainha tem um treco.
IVETH: - E vamos
aceitar isso? Vamos nos submeter às essas exigências exageradas deste diretor.
MARCONDYS:
-
Podemos fazer um baixo assinado...
IVAN:
-
E quem vai querer se comprometer assinando este baixo assinado?
MARCONDYS:
-
Nós.
IVAN:
-
Nós?
MARCONDYS:
-
Nos divideremos em três grupos e passamos em todas a sala e coletamos as
assinaturas.
LEILA:
-
Gente, tenho medo!
MARCONDYS:
-
Minha querida, viver com medo é viver pela metade.
CENA III
LEILA: - A escola
está um alvoroço...
GESY: - Pegando
fogo.
ERIKA: -
Conseguimos muitas assinaturas, poucas pessoas não assinaram...
ELENILTON: - E agora?
MARCONDYS:
-
Temos que encaminhar pra secretária de educação.
GESY: - Isso vai
dar uma confusão.
LEILA: - (Entra) E põe confusão nisso! Gente, o
diretor já sabe da existência da lista, e convocou todos alunos na terceira
aula no pátio. Pelo que indica, vai renunciar.
ELENILTON: - Eita! E
agora?
LUCIANO: - Vai saber
que estamos por trás disso...
CIÇA: - Vamos ser
expulsos da escola.
IVETH: - Nem me
fala isso.
IVAN: - Coitado!
|Deve está se sentindo muito mal. Fiquei sabendo que ele é ator.
MARCONDYS:
-
Perai, para tudo... Tive uma ideia.
ERIKA:
-
Que pensou?
MARCONDYS:
-
Podemos fazer uma lista ao contrário. Pedindo que fique. Assim a gente ganha
ponto com ele, e ele nos apoia quanto grupo de teatro...
ERIKA:
-
Seria cara de pau nossa uma vez que pedimos o Impeachment do
diretor e começamos agora esse movimento ao contrário na escola.
MARCONDYS:
-
Vamos fazer o seguinte... Cada grupo que foi na sala A, agora vai na B e assim
por diante. Temos que convencer o diretor a ficar, e ao mesmo tempo tentar uma
mesa de negociação, e deste modo ficar bem na fita.
ERIKA:
-
Será?
IVAN:
-
Eu acho que rola.
CIÇA:
-
E essas assinaturas?
MARCONDYS:
-
É prova. Sem elas, somos inocentes. Rasga e desaparece com isso. Agora vamos
nos movimentar. Erika, eu e você vamos reivindicar lá no pátio a permanência do
diretor. Agora pessoal mexam-se! (Todos
saem)
CENA IV
MARCONDYS:
-
Bom pessoal. Cada um recebeu a cópia da peça. E essa peça se trata de uma
comédia caipira de uma família que tem uma filha que engravida, e antes que sua
barriga comece a crescer, ela tem que se casar e pra isso seu pai não mede
esforços de casá-la nem que seja a força.
IVAN:
-
Vocês leram a peça?
LEILA: - Eu dei
uma olhada. Só que tenho um problema com ensaios... Como vocês sabem, moro na
volta.
MARCONDYS:
-
Quanto a isso daremos um jeito.
GESY: - Falei
com meu pai. E ele disse que não ia deixar eu participar...
MARCONDYS:
-
Por que?
GESY:
-
Ele disse que isso é coisa de mulher da vida.
MARCONDYS:
-
Não acredito que a essa altura da vida, eu tenha que ouvir esse tipo de coisa.
Que absurdo! Mas pode deixar que vou falar com ele.
ELENILTON:
-
Por mim tudo bem.
LUCIANO:
-
Por mim também. Pensando nos ensaios, falei com meu pai, e ele falou com o
padre, que nos liberou a casa paroquial que está vazia pra gente ensaiar.
MARCONDYS:
-
Boa! Então tempos um espaço.
CIÇA: - Minha mãe
disse, que só me deixa participar, se eu melhorar as notas na escola. Ela até
desmaiou quando viu minhas notas em química e física. Caiu durinha no chão.
Pensei até que tinha enfartado.
IVETH:
-
Não acredito!
CIÇA:
-
É verdade. Juro por Deus!
MARCONDYS:
-
Vai melhorar em nome de Jesus! Nem que pra isso você tenha que colar a prova
inteira. Agora minha querida, precisamos de você.
CIÇA: - Vou
falar com painho. Com ele é mais fácil. Ai ele convence ela.
MARCONDYS:
-
Bom pessoal, então vamos fazer uma leitura pra entender a peça. Lembrem-se...
Se trata de uma comédia. As personagens tem ser engraçadas, então cada um tem
que pensar de como essas personagens andam, falam, se comportam... (fazem leitura do texto) Ivan posso
falar com você?
IVAN:
-
Claro.
MARCONDYS:
-
Abriu uma vaga em Campo Verde para lecionar... Me ofereceram mas já dou aulas
em dois lugares e sei que precisa trabalhar. Então pensei em você e te
indiquei. Você topa dar aula?
IVAN:
-
Nossa! Ter um trabalho, é tudo que quero nesse momento.
MARCONDYS:
-
Vai ser bom. Não é muito. Mas, ajuda.
IVAN:
-
Sim, com certeza. Meu primeiro emprego.
MARCONDYS:
-
Amanhã você tem que ir na prefeitura e procurar a secretária de educação... Boa
sorte, já deu tudo certo.
IVAN:
-
Obrigado! (Abraça)
MARCONDYS:
-
Que isso! Só fiz por você, o que gostaria que fizesse por mim. Agora bora pro
ensaio... (Se juntam ao grupo e leem um
trecho da peça. As luzes se apagam)
IVAN / VIRINO: - Ah, se eu te pego Creuzinha!
IVETH / CREUZA: - Assim num vale não! Assim num
vale. Espia que robo!
IVAN / VIRINO: - Creuzinha ,vem cá minha nega!
IVETH / CREUZA: - Que é?! (Desconfiada)
IVAN / VIRINO: - Vem cá mulé. Num vou te fazer
nenhum mau não. Só o bem!
CREUZA: - Não sei...
IVAN / VIRINO: - Eu te ensino.
IVETH / CREUZA: - Tu me respeita que sou fia de
um cabra macho e de família.
IVAN / VIRINO: - Vala-me Deus creuzinha! Desrespeitá
tu que é meu mozinho, uma rosa, a mais bela de todas!
IVETH / CREUZA: - Oh, Virino! (Beijo calorosa)
CENA V
IVETH: - Nossa
Nego, a peça foi um sucesso.
ERIKA: - Está todo
mundo comentando. Só elogios...
CIÇA: -
(Pra Iveth) Que ela está fazendo aqui?
GESY: -
Amostrada, isso sim!
MARCONDYS:
-
Bom gente, quero agradecer a todos, e ao mesmo tempo parabenizar pelos belas
atuações... Essa foi a nossa primeira peça. Mas, temos um convite para fazer a
peça no evento que haverá agora em outubro...
IVETH:
-
Que evento é esse Nego?
ERIKA:
-
É um evento que vai unir todas as escolas do município na festa das crianças.
CIÇA:
-
E nós faremos o que?
MARCONDYS:
-
Uma nova peça.
LEILA:
-
Sobre o que será esta nova peça?
MARCONDYS:
-
Ivan...
IVAN:
-
Tá na mão... (Distribui) Como está
na moda o assunto, a peça se chamará Meninos de Rua.
ELENILTON:
-
Então se trata de um drama?
IVAN:
-
Isso mesmo.
MARCONDYS:
-
Mas, temos um convite para representar O Casamento em outro município. Se vocês
toparem...
LUCIANO:
-
E como vamos? Precisamos de transporte para nos levar e ao mesmo tempo todo
cenário.
ERIKA:
-
Podemos tentar pedir ajuda na prefeitura.
MARCONDYS:- Sim,
afinal estamos fazendo a cultura da cidade acontecer. Com relação dos ensaios
da peça Meninos de Rua vou pedir liberação da direção da nossa escola pelo
menos duas aulas pra gente ensaiar.
ELENILTON:
-
Será que o diretor vai deixar?
MARCONDYS:
-
Só vamos saber se tentar! Gente, estamos começando algo muito grande aqui, que
irá transformar nossas vidas. Um dia vão falar de cultura nesta cidade, e vão
lembrar de nós. Sabe, não sei onde isso vai dar, se um dia iremos pra tv, e nos
tornaremos famosos, mas com certeza seremos lembrados como o primeiro grupo de
teatro desta cidade. E já que seremos lembrados, que seja por algo bom. Bora
ensaiar?
LEILA/MARISA: - Fiz o exame.
MARCONDYS/FÁBIO: - E então? Qual foi o resultado?
LEILA/MARISA: - Não posso ter filhos, não posso ser mãe.
MARCONDYS/FÁBIO: - Calma querida. Calma!
LEILA/MARISA: - Como posso ter calma? Me sinto tão infeliz,
Deus tirou de mim o que há de mais precioso para uma mulher, o direito de ser
mãe!
MARCONDYS/FÁBIO:
- Marisa... Podemos adotar uma
criança.
LEILA/MARISA: - Não é a mesma coisa. Sempre sonhei com um
filho. Um filho meu. Gerado no meu próprio ventre.
CENA VI
LEILA: - Gente,
estou extasiada até agora.
GESY: - Foi
muito legal! A apresentação em praça pública foi um sucesso!
IVAN: - Foi
mesmo. Muito melhor que eu esperava.
MARCONDYS: -
Parabéns meninos e meninas. Graças a dedicação de todos nós, mais uma vez,
conseguimos. Meninos de Rua foi um grande sucesso. E o mérito é de vocês.
ERIKA: -
Parabéns! Fiquei encantada. E da plateia pude perceber o grande sucesso de
vocês. Helenilton Vigário... que linguinha foi aquela? (Imita) Oh cadu, não me olhe assim, que eu fico, emocionado. (Riem)
ELENILTON: - Nunca
senti algo como ontem, vê toda aquela gente, as autoridades nos assistindo...
LUCIANO: - Que
moral. Me senti uma celebridade.
CIÇA: - Minha
mãe falou, que na cidade não fale em outra coisa... Disse até que está
orgulhosa.
IVETH: - Mainha
também gostou.
IVAN: - Não
podemos deixar de agradecer ao Marcondys por nos presentear com esse texto, nos
dirigir e além de tudo acreditar na gente.
MARCONDYS: - É um
trabalho em equipe. Fizemos dois grandes sucessos em tão pouco tempo. Agora
temos que pensar no próximo.
LUCIANO: - E o que
está Pensando?
MARCONDYS: - Então
Luciano, estou pensando em algum coisa maior. Uma peça meio tv teatro.
ERIKA: - Acho
uma ideia legal. E poderíamos filmar pra guardar de recordação. Conheço uma
pessoa que filma.
GESY: - Mas,
deve ser muito caro.
IVAN: - Pagamos
com parte da bilheteria.
MARCONDYS: - Se
todos concordar...
TODOS: - Eu
concordo!
LEILA: - Mas onde faremos?
MARCONDYS: -
Conseguimos o prédio abandonado onde funcionava o banco. A prefeitura nos
emprestou.
ERIKA: - O
espaço é bom e bem grande. Só nos resta arregaçar as mangas, fazer uma limpeza
e mandar vê.
IVAN: - Então
temos agora uma sede?
MARCONDYS: - Estamos
chiques! Mas, temos muito que fazer para colocar isso pra funcionar. Fui lá com
a Érika e lá precisava de uma mão de obra. A prefeitura resolveu nos ajudar e
amanhã enviará alguém pra pintar e consertar a fiação.
LUCIANO: - Que
pensa em fazer?
MARCONDYS: - Aqui em
Mataraca, só fizemos uma apresentação da peça o Casamento. Então pensei em
apresenta-la novamente e cobrar ingresso. Um preço popular, simbólico. Que
acham?
ÉRIKA: - Acho
justo. Tenho certeza que conseguiremos. Pra isso, temos que fazer ingressos e
vender antecipadamente, assim teremos mais ou menos noção de quantas pessoas
irão assistir.
IVAN: - Isso é
muito bom.
IVETH: - Nossa!
Está tudo dando certo.
MARCONDYS: - Um dia,
todos, alguns ou uns de nós estaremos na tevê. Eu acredito, não acho
impossível. O Cultura jovem está nos dando uma grande possibilidade. De se
conhecer, e de apesar da ausência de qualquer esperança, diante das condições
precárias, nós estamos reescrevendo a nossa própria história de vida e
ressignificando a arte.
LEILA: - Mas
como vamos fazer pra ter cortinas, as luzes do teatro... e o som? Tem que ser
bom, não tem?
MARCONDYS: - Os
refletores teremos que improvisar. Temos que ser criativos. Com relação ao som,
falei com Tonho e ele tem um bom som, gostou da ideia e será nosso sonoplasta.
ERIKA: - As
cortinas eu consigo.
MARCONDYS: - Então é
isso... Amanhã nos vemos na escola e conversamos mais sobre o assunto. Hoje a
noite vou sentar e vou já começar a rascunhar a nova peça. (Todos saem)
CENA
VII
ERIKA:
-
Gente, quero dividir uma coisa com vocês.
LEILA:
-
Coisa boa ou ruim?
IVAN:
-
Pela cara, é bom.
MARCONDYS:
-
Fala.
ERIKA:
-
Estava conversando com minha mãe e com meu pai. E nós vamos fazer uma festinha,
para comemorar meu aniversário... Então pensei, por quê não fazer aqui no
Cultura.
MARCONDYS:
-
Eu acho legal. Vai chamar todo elenco? Incluindo o pessoal da dublagem?
ERIKA:
-
Não, eu pensei em chamar algumas pessoas... Mas a festa, não tem nada a ver com
o grupo. Só vou usar o espaço.
MARCONDYS:
-
Tudo bem. Embora eu ache que esse evento vai ser disputadíssimo... Mas creio
que vão entender.
ERIKA:
-
Então está certo. Vamos Leila?
LEILA:
-
Vamos. Tichau!
IVAN:
-
Tichau! (Elas saem)
MARCONDYS:
-
Vai ser problema pra algumas pessoas entenderem.
IVAN:
-
Mas, é aniversário dela... Particular.
MARCONDYS:
-
Verdade.
CENA
VIII
(Estão
sentados no banco velho de aço em frente ao mercado municipal, há uma música
nostálgica no fundo)
MARCONDYS:
-
Aqui parece um cenário de filme...
IVAN: - Parece
mesmo.
MARCONDYS:
-
Leu o livro que te emprestei?
IVAN: - Os
Rodrigues?
MARCONDYS:
-
Não.
IVAN: - Éramos
seis.
MARCONDYS:
-
Sim.
IVAN: - Estou
lendo.
MARCONDYS:
-
Gostando?
IVAN: - Muito.
MARCONDYS:
-
Fico imaginando transformar esse livro numa novela.
IVAN: - Seria
maravilhoso.
MARCONDYS:
-
Gostaria de fazer parte do elenco.
IVAN: - Também.
Será que um dia vamos está na teve?
MARCONDYS:
-
Não quero fama, dinheiro ou qualquer outro coisa. Quero fazer arte. E não me
importa que tenha que fazer, desde que não viole meu caráter ou meu corpo pra
conseguir viver da minha arte.
IVAN: - Dizem
que pra entrar na teve tem que fazer sexo com pessoas... O famoso teste do
sofá.
MARCONDYS:
-
Prefiro acreditar no talento. Sei que teremos muitos nãos... Mas, uma hora
seremos reconhecidos.Tudo está na vontade de Deus. Se ele não quiser, você pode
virar o mundo de cabeça pra baixo, nada conseguirá.
IVAN: - Você
vai pro Rio de Janeiro?
MARCONDYS:
-
Mais fácil. Minha família é de lá...
IVAN: - A globo
fica lá.
MARCONDYS:
-
Também.
IVAN: - Sonho
em sair desta cidade...
MARCONDYS:
-
Vai conseguir. Tem que acreditar e ir à luta.
IVAN: - Tenho
uma tia no Rio.
MARCONDYS:
-
Legal. Cara, se é tua chance. Tenta! Aqui, que futuro teremos? Você é um cara
muito engraçado, o teu personagem Pipitinho da Escola Muito Engraçada, era
maravilhoso, tua veia é muito cômica.
IVAN: - Tento
ser engraçado pra disfarçar minha tristeza, minhas angústias...
MARCONDYS:
-
Tenho percebido. Há uma grande tempestade em teu semblante. Mas cara, seja lá o
que for, que te oprime tanto, se você é o que é, é por que Deus permitiu. Gosto
muito do versículo da bíblia que diz: se sou eu assim, porque sou. E isso
explica muito. Não adianta lutar contra a natureza. O amor, é abstrato, nós
somos concretos... Como vamos dar forma a ele, depende exclusivamente de nós.
IVAN: - Magali
tem sido uma grande amiga, conselheira. Tem me ajudado muito com palavras de
amizade e conforto.
MARCONDYS:
-
É um ser especial. E um desses anjos que toma a forma de humana e faz toda
diferença em nossas vidas.
IVAN: -
Verdade. Sorte nossa ter uma professora de arte como ela.
MARCONDYS:
-
Professora e amiga. Grande incentivadora das artes em Mataraca.
IVAN: -
Verdade.
MARCONDYS:
-
Já pensou, daqui há uns dez anos a gente se encontrar aqui, de frente a esse
mercado, nesse mesmo banco, com esses postes antigos, e a gente relembrar tudo
isso que estamos vivendo?
IVAN: - E
olhando para as estrelas, contemplando uma lua tão bonita quanto esta.
MARCONDYS:
-
Sabe Ivan, não sei como vai ser o futuro, mas, o que eu puder fazer para que
seja no mínimo satisfatório no qual minha arte permaneça viva, e eu possa
vivenciar isso todos os dias, além de encontrar o amor, seja ele como for,
apenas que seja amor, eu serei o cara mais feliz do mundo.
IVAN: - Admiro
tua forma, tua determinação...
MARCONDYS:
-
E eu o teu bom humor. Apesar de saber que tem uma vida difícil, está sempre bem
humorado, alegre e é por todos querido.
IVAN: -
Obrigado. Tenho sorte por ser seu amigo.
MARCONDYS:
-
Temos sorte. Na vida nada é por acaso. Tudo tem um propósito.
IVAN: - Já é
tarde. Tenho que ir.
MARCONDYS:
-
Você é muito corajoso. Eu morreria de medo em seguir essa estrada escura até
sua casa, quase meia hora de caminhada... Deus é mais! Se aparece uma alma
penada, eu caio duro. Será duas!
IVAN: - Tenho
que ir...
MARCONDYS:
-
Tchau! Até amanha.
IVAN: - Vou
cantando a música do Ghost!
MARCONDYS:
-
Melhor não. Acabamos com a aula de inglês. Nunca vi tanta gente desafinada numa
única sala. (Ivan sai cantando) Tomara
que tenha gente na rua, passar pelo cemitério é fogo! (sai)
CENA
IX
Cortinas
fechadas, elenco vê o publico pelas frestas.
LEILA: - Gente!
Estou besta. Olha quanta gente...
GESY: - Meu Deus!
LUCIANO: - Tem muita
gente... Não dá mais pra colocar pessoas aqui dentro.
IVAN: - Tem gente
até nas vigas!
MARCONDYS: - Não deixa
mais ninguém entrar.
ERIKA: - Gente!
Que medo.
MARCONDYS: - Estão
prontos? Vamos...
ELENILTON: - Calma
ai... Não tô sentindo minhas mãos.
MARCONDYS: - Relaxa cara,
acredita no teu talento.
LUCIANO: - Vou pedir
pra fechar a porta.
CIÇA: - Vou ter
um troço.
IVAN: - Não antes
do espetáculo...
IVETH: - Ai nego,
tô com medo.
MARCONDYS: - Fica
calma! Ensaiamos muito pra isso. Ivan, vê se o pessoal que vão dublar então
todos prontos.
ERIKA: - Vamos
Marcondys?! Apresentar nossos dubladores.
MARCONDYS: - O número
musical nos espera. Bora. Mas antes... Gente junta aqui... Mãos... Merda! (Apagam-se as luzes. Aplauso!)
CENA
X
IVAN:
-
Me sinto tão envergonhado.
MARCONDYS:
-
Acontece. É algo fora do nosso controle.
IVAN:
-
Ele não tinha o direito de invadir o palco e me fazer passar todo aquele
vexame.
MARCONDYS:
-
É o preconceito, o machismo... Essa mania que as pessoas têm de
acreditar que o teatro ou as artes em geral é coisa de viado.
IVAN:
-
Ele falou um monte pro meu pai.
MARCONDYS:
-
E teu pai?
IVAN:
-
Não gostou muito. Claro que houve exageros da parte dele. Disse que eu tava
fazendo papel de palhaço, sendo ridículo diante de todo mundo.
MARCONDYS:
-
Sabe Ivan, eu sei que não é fácil, mas, você tem que enfrentar os obstáculos
que surgem diante de você. É ser artista que você quer? Então tem que se
acostumar com as criticas, saber absorver as boas, analisar as ruins, pois elas
podem nos fazer crescer. Ai quando você chegar lá, e estiver com sua carinha
estampada nas revistas, e entrando em todos lares pela tv. Esses mesmos que te
criticam, e que até te acham ridículo, irão encher a boca pra dizer o quanto
acreditavam em você e o quanto tem orgulho de ser seu amigo, irmão, primo e
assim por diante.
IVAN:
-
Isso é verdade.
MARCONDYS:
-
Mas não se deixa abater por isso não. Você e Roberta, arrasaram com a dublagem
de Vanger Leonel, Vamp.
IVAN:
-
Foi bom mesmo.
MARCONDYS:
-
Cara, você é um talento. Não deixe que ninguém lhe diminua, ou tente sufocar em
você toda essa vida que há pulsando ai dentro.
IVAN:
-
E quando começamos a ensaiar a peça de natal?
MARCONDYS:
-
Amanhã. Mas antes que tal a gente pensar em fazer uma matinê de brincadeiras e
jogos para crianças lá no Cultura?
IVAN:
-
Será?
MARCONDYS:
-
Roberta fazia sucesso com seus baixinhos...
IVAN:
-
Mas ela é amada por todos, é praticamente uma Xuxa mataraquense. Sem contar no
sucesso como cover da Patrícia.
MARCONDYS:
-
Podemos tentar um novo formato. Quem sabe dá certo.
IVAN:
-
Acho que sim, penso que não... Quem sabe talvez!
MARCONDYS:
-
Você e seu bordão! Isso é um sim?
IVAN:
-
Bora tentar. E que meu irmão não invada outra vez o meu show.
MARCONDYS:
-
Melhor não! Manchete! Irmão põe astro pra correr diante a multidão! (Riem)
IVAN:
-
Que vergonha! (Apagam-se as luzes)
CENA
XI
ERIKA:
-
Dona Mariquinha já comprou o ingresso dela.
MARCONDYS:
-
Se um dia eu fizesse um teatro eu daria a esse teatro o nome dela, Maria
Teodora Gomes Barbosa Simplesmente Teatro Dona mariquinha.
IVAN:
-
Ela é nossa maior fã.
MARCONDYS:
-
Muito mais que isso. Nossa maior incentivadora. Gente, uma mulher que muito mal
é alfabetizada, mas que apoia a arte como a coisa mais importante e linda do
mundo...
IVETH:
-
Ela é sempre a primeira a chegar.
GESY:
-
Vem sempre com aquele paninho limpinho, vai limpando cadeira por cadeira...
MARCONDYS:
-
É um orgulho pra mim, ter uma parenta tão especial.
HELENILTON:
-
O Luciano tem uma coisa pra falar. Fala...
LUCIANO:
-
O padre me pediu pra fazer um convite ao grupo para participar de um festival
de peça que reunirá todo vale do Manmanguape representando uma peça com os
temas dados a cada grupo.
CIÇA:
-
E como funciona?
LUCIANO:
-
Pra nós fica, o tema O Jovem e a Família. E aqui neste papel estão todas as
regras. Se todos toparem, ai, eu digo ao padre, e ele nos escreve para
representar nossa cidade.
LEILA:
-
Eu acho legal.
ÉRIKA:
-
Eu topo.
IVETH:
-
Eu também.
GESY: - Tenho vê
se painho deixa.
IVAN: - Tô
dentro.
HELENILTON: - Se tiver
lugar pra mim...
MARCONDYS:
-
Eu nem preciso falar. Vou ler as regras, elaborar a peça, e depois apresento o
texto pra vocês. E vamos arrebentar a boca do balão. Nós somos bons! (Abraço, coletivo. Luz se apaga)
CENA
XI
ERIKA: - Estou
preocupada...
MARCONDYS:
-
Com que?
ERIKA: - Viu que
chegou um circo na cidade?
MARCONDYS:
-
Vi sim. Isso é ruim pra nós...
ERIKA: - Além do
circo, tem o parque de diversão.
MARCONDYS:
-
Isso vai dividir e muito o público.
ERIKA: - E sem
contar que é fim de ano...
MARCONDYS:
-
Que pensa?
ERIKA: - Não
seria melhor adiar?
MARCONDYS:
-
Pro ano que vem?
ERIKA: - Sim.
MARCONDYS:
-
esqueceu que está tudo pronto? Cenários, filmagem, cartazes, os ingressos...
ERIKA: - Eu
sei...
MARCONDYS:
-
Érica, demos um duro danada pra montar esse cenário. Trouxemos quase tudo da
casa de sua mãe. Está parecendo um cenário de novela. Vamos levar adiante.
Ainda que seja um fracasso de público. Mas teremos a peça gravada em vídeo. Uma
lembrança, que será eterna.
ERIKA: - Vendo
por esse lado...
MARCONDYS:
-
Não fazemos tudo isso por vaidade, mas, por amor. Desta vida a gente só leva o
que vivemos. Vamos nos permitir a viver isso.
ERIKA: - Tem
razão. É, vamos vê no que vai dar.
MARCONDYS:
-
Obrigado.
ERIKA: - Obrigado?
MARCONDYS:
-
Por me apoiar.
ERIKA: - Estamos
juntos. (Apagam-se as luzes)
CENA
XII
CIÇA:
-
Gente, estou muito feliz. O Jovem e a Família, foi um sucesso!
IVAN:
-
Vencemos!
ERIKA:
-
Quando ouvi os aplausos mal pude acreditar.
MARCONDYS:
-
Sempre disse que vocês são bons.
HELENILTON:
-
Sabe, depois que tudo termina, que o nervosismo passa, dá uma sensação de
satisfação, de dever cumprido tão bom.
ERIKA:
-
Mas, verdade seja dita, o texto é muito bom.
IVAN:
-
Foi uma boa sacada, incluir no texto, todas temáticas que havia no festival.
MARCONDYS:
-
como pegamos os jovem e a família como tema principal, ficamos livres de usar
os demais temas como subtemas e deste modo contar a história desse jovem e
desta família.
CIÇA:
-
Eu tava com medo na hora de contracenar com Ivan...
MARCONDYS:
-
Ele segurou bem né? Deixou um pouco de lado, este lado cômico. E convenceu no
drama vivendo um cara problemático e drogado.
IVAN:
-
Graças a sua direção, com muitas broncas.
CIÇA: - E na
hora de chorar? Tive medo de não conseguir.
MARCONDYS:
-
Adorei vê as senhorinhas chorando com pena de você.
ERIKA:
-
Vocês fizeram aquela cena de briga tão natural...
IVAN:
-
Até me furei com a seringa...
CIÇA:
-
E quase quebraram os instrumentos do pessoal... (riem)
HELENILTON:
-
Vocês viram? A professora de religião veio nos cumprimentar. Elogiou pra
caramba! Posso contar um segredo? Vai dar dez pra todos na matéria dela.
IVAN:
-
Marcos, nosso professor de português elogiou a qualidade do texto. Disse até
que tem coesão e coerência. Olha que chique!
MARCONDYS:
-
Fico feliz por tudo isso. O Cultura cada dia mais está crescendo. E com esse
crescimento, nossa reponsabilidade de fazer melhor. Faz um trecho Cícera e
Érika.
CIÇA/RENER: - Renato, onde você vai? (ele sai, entra
Eloísa)
ÉRIKA/ELOÍSA: - Onde foi seu irmão, ele quer acabar
comigo, já não chega o que ouví de seu pai ontem? (Rener fica calada observando
a mãe) Rener, o que há com você? Não está me ouvindo?
CIÇA/RENER: - Estou lhe ouvindo! (irônica) Claro mamãe
que estou lhe ouvindo! A senhora quer mesmo saber o que há comigo? Quer?! Vamos
responda mamãe!
ÉRIKA/ELOÍSA: - Claro que quero!
CIÇA/RENER: - E por que dona Eloísa, por que se daria
esse trabalho?
ÉRIKA/ELOÍSA: - Você é minha filha.
CIÇA/RENER: - Quantas vezes você parou para me
perguntar, se eu precisava conversar sobre amor, quantas vezes me perguntou
sobre sexo, se eu sou feliz, o que eu quero e o que penso sobre o mundo? Quanta
vezes, eu olhava pra você e sentia vontade de desabafar minhas dúvidas, angustia
e inseguranças, quantas vezes lhe olhava com carência, com uma enorme vontade
de lhe abraçar e chorar no seu ombro todas minhas incertezas e decepções. Eu
não precisava apenas de uma mãe, mas também de uma amiga. Amiga esta que nunca
tive.
ÉRIKA/ELOÍSA: - Como pode dizer isto, eu sou sua amiga.
CIÇA/RENER: - Amiga é aquela que podemos confiar,
desabafar...
ÉRIKA/ELOÍSA: - Você sempre pode contar comigo...
CIÇA/RENER: - Não mamãe, você sempre foi dona Eloísa,
escrava das opiniões alheias.
(Apagam-se as luzes)
CENA
XIII
MARCONDYS:
-
Que cara é essa?
IVAN:
-
Tenho uma coisa pra te falar...
MARCONDYS:
-
Fala.
IVAN:
-
Quero pedir que me dispense da peça de natal.
MARCONDYS:
-
Não acredito. Por quê?
IVAN:
-
Estou muito cansado. E você sabe que ando muito pra chegar até aqui...
MARCONDYS:
-
Não tem nada a me dizer?
IVAN:
-
Não.
MARCONDYS:
-
Você está deprimido. Se abre comigo... Sou teu amigo.
IVAN:
-
Estou confuso... Não consigo memorizar as falas, tá muito difícil de me
concentrar...
MARCONDYS:
-
Que há?
IVAN:
-
Um dia conversamos sobre isso...
MARCONDYS:
-
É o que estou pensando?
IVAN:
-
Talvez...
MARCONDYS:
-
Eu já sei de tudo... Já percebi.
IVAN:
-
Então, te peço, respeita meu momento.
MARCONDYS:
-
Tá bom. Mas, promete que ficara bem... E quando quiser conversar, e se sentir
pronto pra dividir isso comigo, saiba que estarei aqui.
IVAN:
-
Eu sei, e te agradeço.
CENA
XIV
GESY: - Gente,
mas, ia tudo tão bem... O baile estava perfeito, a banda ótima, e o bar
vendendo de vento e polpa...
ÉRIKA: - Nós
temos que fazer ela confessar, sabemos que foi ela...
MARCONDYS:
-
Calma Érica. Sabemos que foi ela, mais não podemos provar.
IVAN:
-
Ela ficou sozinha no caixa. E rapidinho foi embora. E depois da saída, o
dinheiro sumiu.
LEILA: - Ainda
bem que conseguimos o dinheiro pra pagar as despesas...
ÉRIKA:
- Gente, que prejuízo!
IVETH:
-
Eu disse que ela não é flor que se cheira. Ladra dos infernos.
IVAN:
-
Banda, bebidas, petiscos... Quanto prejuízo.
LEILA: - Devia
denunciar ela, e pedir pra dá um aperto...
HELENILTON: - Falou a
mulher do delegado!
LEILA: - Cala a
boca!
HELENILTON: - Ai que
meda!
MARCONDYS:
-
Saímos no prejuízo, mas, arcamos com nossos compromissos.
GESY:
-
Gente, é muito dinheiro na mão de uma vaca. Vamos deixar pra lá?
HELENILTON: - Acusar
sem provas, é crime.
MARCONDYS:
-
Verdade. Não temos muito que fazer.
ÉRIKA: - Só
amargar esse grande prejuízo.
MARCONDYS:
-
Na verdade pessoal. Ela perdeu muito mais que nós. Veja bem, ela é uma pessoa
que toda cidade torce o nariz, nosso grupo a acolheu de braços aberto e a
tratamos como um de nós. Ele fez isso, levou uma grana? Levou. Mas como Judas,
sofrerá as consequências.
GESY:
-
Painho que tinha razão! Vaso quebrado não se recupera, se joga fora!
CENA
XV
IVAN:
-
Que vontade de trucidar aqueles pestinhas!
MARCONDYS:
-
Foi um fracasso a matinê...
IVAN:
-
Põe fracasso nisso! Ouvi aqueles praguinhas gritando em coro do lado de fora do
Cultura: “Quero meu dinheiro de volta, Quero meu dinheiro de volta... “
Repetidamente. Até ecoa nos meus ouvidos.
MARCONDYS:
-
Era só devolver.
IVAN:
-
Nem morto! E meu trabalho? Todo contorcionismo... Não aguentava mais dublar
tantas músicas infantis. E aquela maquiagem de palhaço, com aquela roupa
quente? Devolvo nada... Mas manino!?
MARCONDYS:
-
Liga não. Passa! Tudo passa nessa vida.
IVAN:
-
Vou ter que levar no meu currículo esse fracasso.
MARCONDYS:
-
Não é só o sucesso que nos faz crescer, o fracasso também. Quem dos famosos
nunca passou por um fracasso? Fiquei sabendo que Suzana Vieira teve uma estréia
com teatro praticamente vazio quando fez Jeannie é um gênio.
IVAN:
-
Pois é! Eu que o diga.
MARCONDYS:
-
Mas, mudando de assunto... Temos um convite, para participar de um festival no
Rio Grande do Norte.
IVAN:
-
No Rio Grande do Norte?
MARCONDYS:
-
Sim. Helenilton e Luciano me pediram um texto que fale do Homem do Campo e suas
dificuldades. É um pedido da igreja, e querem que nós, represente nossa cidade.
IVAN:
-
Acho legal.
MARCONDYS:
-
Essa peça terá um narrador. Pensei na Erika. Que acha?
IVAN:
-
Acho uma boa ideia.
MARCONDYS:
-
Também. Vou falar com ela.
IVAN:
-
Temos um trabalho na escola pra apresentar, lembra?
MARCONDYS:
-
Claro. E já fiz o roteiro. Faremos um show, que se chamará Show de Caloucos. E
pra o trabalho de português convidei a Neide pra fazer um trecho da peça Pedreira
das Almas de Jorge Andrade. Texto esse que tem um trecho no livro de português.
Já a Erika além de representar no Show de caloucos irá fazer uma narrativa
sobre como era a vida a anos atrás, quando podíamos usufruir das belezas da
natureza incluindo o Rio Camaratuba, hoje poluído pela usina. Pronto?
IVAN:
-
Prontíssimo! (Apagam-se as luzes)
CENA
XVI
IVAN:
-
E ai people!
LEILA:
-
Chegou o cômico.
ÉRIKA:
-
Eu estava aqui me lembrando da apresentação no Cumaru...
IVETH:
-
Foi um sucesso vai...
HELENILTON:
-
Tava abarrotado de gente.
CIÇA: - Pior foi
à volta.
IVAN:
-
Muita irresponsabilidade do seu Zé do ônibus ter vindo embora e nos deixado lá.
LEILA:
-
Que horror, né?
IVAN:
-
Muito engraçado, isso será história para contar. Ficará para posteridade.
Entrará na nossa biografia.
IVETH:
-
Essa parte não deve entrar.
HELENILTON:
-
Imagina só... O grupo Cultura Jovem, foi abandonado por carreto, pegou carona
num Romeu e Julieta, jogou todo cacareco em cima, e pegou estrada num caminhão
de cana de açúcar a caminho de Mataraca (Com sotaque estrangeiro)
CIÇA: - Quem
sabe a usina Socican não se torna nossa patrocinadora? (Todos riem)
MARCONDYS:
-
Oi povo?!
IVETH:
-
Nego a gente está comentando sobre a apresentação e o ultimo ato... O caminhão
de cana de açúcar.
MARCONDYS:
-
Nem me fale... Não gosto nem de lembrar.
LEILA:
-
Mas, graças a Deus que apareceu esse caminhão e alma boa...
MARCONDYS:
-
Verdade. Bom, mudando de assunto... Nós vamos representar uma peça na feira
cultural da cidade...
IVAN:
-
Até onde sei, o primeiro grau irá competir com o segundo grau. E nós vamos
representar as artes cênicas, competindo com as meninas do 5º ano.
ÉRIKA:
-
Gente, não podemos perder, de jeito nenhum!
MARCONDYS:
-
E não vamos. Temos só um probleminha...
CIÇA: - Qual?
MARCONDYS:
-
Vou passar a palavra para nosso caro, Helenilton Vigário.
HELENILTON:
-
Fomos convidados pra representar nossa cidade no Rio Grande do Norte...
IVETH: - E como
faremos pra ir pra tão longe?
HELENILTON:
-
A igreja vai nos fornecer transporte.
MARCONDYS:
-
Eu já escrevi a peça com o tema solicitado. Querem algo sobre o trabalhador
rural e a reforma agrária. Então escrevi esse texto, chama-se Homem do Campo.
Temos que fazer um revezamento de elenco pra poder dá conta das duas peças e
mais a outra que estou escrevendo pra igreja da irmã Zeza, que é bíblica
chamada A Filha de Jairo. Na filha de Jairo o elenco é da igreja, só eu que
farei uma participação.
GESI: - Painho
não vai deixar eu ir pra tão longe.
MARCONDYS:
-
Vamos fazer, assim. Cada um de vocês conversam com seus pais e vamos vê quantos
permitirão. Como Eliane fez o Casamento num papel extra, gostaria de testa-la
num papel maior...
IVETH: - Acho legal.
MARCONDYS:
-
Se tudo correr bem, segunda a gente começa a ensaiar Homem do campo.
ÉRIKA:
-
E a da feira cultural? Qual peça e quem fará?
MARCONDYS:
-
Da feira, faremos um texto chamado O
Pequeno Engraxate. Tem que ser uma peça curta, segundo o regulamento, quase
uma esquete. Eu farei dois personagens...
GESY: - Que
chique! Rute e Raquel...
MARCONDYS:
-
... o pai bêbado e o empresário que ajuda o menino. Ivan, será o menino e
convidarei a Neide para fazer a sofrida mãe. E vocês meus caros, nos darão apoio,
principalmente na minha caracterização. Assim vocês ficam livres pra ensaiar
homem do campo.
LEILA:
-
Tem ideia de quem será escalado para o Homem do Campo?
MARCONDYS:
-
Penso em mim, Ivan, Leila, Érika como narradora, disso não abro mão, Helenilton,
que não fará padre desta vez, fará um coronel, também vou chamar Melryn Love,
amor, para fazer a perua, esposa do coronel e Eliane.
CIÇA: - Doidinha, doidinha...
LEILA:
-
Mas, é um barato trabalhar com ela.
MARCONDYS:
-
Iveth e Gesy ficam livres, descansa para próxima.
ERIKA:
-
Fiquem calmas, continuam contratadas. (Todos
riem) Vamos dar uma lida nessa cena. Pode fazer Gilmar, Helenilton?
HELENILTON: - Bora...
MARCONDYS:
-
Eu faço o João.
MARCONDYS/JOÃO: - Boa tarde seu Gilmar...
HELENILTON/GILMAR: - Boa... Seu João, algum problema
com a fazenda?
MARCONDYS/JOÃO: - É que meu fio, o Zeca num
sabe?! Ele tá duente, e eu...
HELENILTON/GILMAR: - Então vieste ao lugar errado,
embora me chame de doutor, mais não sou médico.
MARCONDYS/JOÃO: - É que meu fio tá num hospitá... Ele
tá cum probrema nu coração e precisa dum apareio par cuntinuá vivo num sabe.
HELENILTON/GILMAR: - E o queres que eu faça?
JOÃO: - Descupe meu atrevimento é que não tenho
a quem recorrer, intão tomei a liberdade de lhe pedir ajuda...
MARCONDYS/JOÃO:: - Me emprestano um dinheiro para meu fio poder fazer
a tal operação...
HELENILTON/GILMAR: - E como pretende pagar este
empréstimo?
MARCONDYS/JOÃO: - Ora como? Cum meu trabaio.
HELENILTON/GILMAR: - Eu gostaria muito de ajudar,
mais no momento estou com uns probleminhas, as ações cairam e eu investiu uma
boa grana, e sabe como é, negócios são sempre arriscados...
MARCONDYS: - Por hoje,
é isso. Liberados! Érika... Depois quero falar contigo, sobre os figurinos.
ERIKA:
-
Ok. Amanha a gente conversa sobre. (Todos
saem. Fica Ciça)
CIÇA: -
Marcondys...
MARCONDYS:
-
Fala Ciça Marins...
CIÇA: - Mainha
mandou te perguntar se você sabe de alguma escola de teatro, pois eu quero
fazer o curso, quero ser profissional.
MARCONDYS:
-
Que legal! Fico orgulhoso.
CIÇA: - Gosto
muito de tudo isso.
MARCONDYS:
-
Soube que está namorando.
CIÇA: - Estou.
MARCONDYS:
-
E ele, que diz, disso tudo?
CIÇA: - Não
gosta muito. Mas, não ligo.
MARCONDYS:
-
Uma hora você terá que fazer uma escolha.
CIÇA: - Largo o
teatro não.
MARCONDYS:
-
Assim espero. Você tem muito talento.
CIÇA: -
Obrigada.
MARCONDYS:
-
Mas, com relação a escola de teatro, creio, que só deve ter uma escola, em João
pessoa.
CIÇA: - Vou vê
isso... Até amanhã... (Beija no rosto, há uma paixão platônica entre os dois.
Saindo)
MARCONDYS:
-
Ciça...
CIÇA: - Oi?
MARCONDYS:
-
Desiste de nós não.
CIÇA: - Vou não.
(Sai)
MARCONDYS:
-
Vai. (Apagam-se as luzes)
CENA
XVII
MARCONDYS:
-
Bora fazer a cena III do segundo ato.
CIÇA: - Mas, e a
Érika?
MARCONDYS:
-
Olha gente... Está lá fora... Pelo jeito não muito preocupada com a peça.
Gente, a estreia é na semana que vem, e devido a trabalhos e provas escolares,
estamos muito atrasados...
CIÇA: - Estou
ainda bastante insegura.
LEILA:
-
Eu preocupada. Será que Eliane vai dar conta do texto?
MARCONDYS:
-
Do texto creio que vai... O problema é a interpretação.
IVAN: - E a
Amor?
MARCONDYS:
-
Vem no ensaio de amanhã. Bora ensaiar. Ivan... a Gesy substitue, Eliane hoje.
GESY/NINA: - Zeca. (T) Eu fico aqui pensano, num sabe?!
Pego a imaginá... como vai sê minha vida daqui á algum tempo, num sabe?!
IVAN/ZECA: - Eu também, Nina, num sabe? Mai eu acho que
oscê só tá tocano nesse assunto par vê se eu falo de casamento, num é?
GESY/NINA: - Num é, não! Num é nada disso não. Vôlte!!!
Ora essa home! Eu sei que oscê gosta deu, e que, quer casá com eu. Eu só tava
pensano vice?!
IVAN/ZECA: - Nina as vez eu fico aqui matutando,
perdido com meu pensamento, e chego a sonhá com oscê linda, toda de branco,
numa alvura só, linda como nunca!
GESY/NINA: - Ai Zeca, se eu fô pensá nisso, botâ isso
na minha cabeça agente num casa nunca!
IVAN/ZECA: - (abaixa a cabeça triste)
GESY/NINA: - Ah Zeca! Falei mais que a boca, num foi?
Me perdoa eu, num devia falá desse jeito... Sonhar num enche barriga, mai
também num custa nada, num é mermo?
IVAN/ZECA: - Tá certo! Oscê num deixa de tê razão. Sou
um caipira, criado no campo, homem bronco, bicho do mato, sem estudo que futuro
posso te oferecer? Se num tenho nem dinheiro par pagá o juis, quanto mai um
vestido desses...
CIÇA: - Tem
gente na porta. É a Erika.
MARCONDYS:
-
Está sozinha?
CIÇA: - Está com
a Geane.
MARCONDYS:
-
Vamos continuar o ensaio.
IVAN: - Mas, ela
está pedindo pra abrir...
MARCONDYS:
-
Se abrir está porta o ensaio não avança... Ela vai continuar de brincadeiras
com a amiga, nos atrapalhando. Temos um compromisso, e não temos tempo. Vocês
sabem o quanto isso é sagrado pra mim... Não posso permitir que as brincadeiras
nos distraia prejudicando nosso trabalho. (Silencio)
Vamos retornar aos ensaios... (Batidas
mais forte) Abre.
ERIKA:
-
Aqui está o texto. (Joga) Você não tinha o direito de me deixar
do lado de fora. Quem você pensa que é? A partir de hoje, não conte mais
comigo. Aqui termina minha história com o grupo e minha amizade com você. (Sai) (Silêncio)
MARCONDYS:
-
Acabou o ensaio. (Todos saem em
silêncio)(Marcondys fica paralisado o foco de luz vai fechando nele até sumir)
CENA
XVIII
IVAN: - E agora?
MARCONDYS:
-
O show tem que continuar. Sempre ouvi dizer que o ator não deve levar para o
palco, os seus problemas. No palco quem vive seus dilemas, é o personagem.
IVAN: - Mas, não
temos mais a narradora da história.
MARCONDYS:
-
Eu faço.
IVAN: - Fará o
narrador e o personagem?
MARCONDYS:
-
Sei que não será fácil. Mesmo porque projetei essa peça de um outro jeito.
IVAN: - E Erika?
MARCONDYS:
-
Não sei. Você sabe o quanto me dói. Não sei se a história desse grupo vai um
dia me perdoar por esse ato. Mas, fiz o que tinha que ser feito, pelo bem
comum.
IVAN: - Eu te
entendo. Realmente, elas estavam atrapalhando os ensaios...
MARCONDYS:
-
Às vezes penso, se não deveria ter feito diferente, ter tido outra atitude.
Temos uma história tão bonita.
IVAN: - Vocês
tem uma amizade tão bonita...
MARCONDYS:
-
Mas não resistiu à primeira tempestade.
IVAN: - Tenta
conversar com ela.
MARCONDYS:
-
Já tentei. Mas, ela não reconhece que errou. Está irredutível. E eu sou o
monstro.
IVAN: - Que
pena! Foi chocante presenciar aquela cena, ela entrando na sala de ensaio,
dizendo todas aquelas coisas, jogando o texto no chão e dizendo que estava
fora.
MARCONDYS:
-
Te juro Ivan, doeu muito em mim. Sabe o quanto gosto e admiro a Érika. Ela é
muito importante pra nós, mesmo fora, se não voltar atrás, sua contribuição e
importância pra esse grupo, nunca será esquecida. Então meu amigo, só nos
resta... Merda!
IVAN: - Merda!
CENA
XVIX
MARCONDYS:
-
Gente... Eu sei que não estão todos aqui. Mas, eu gostaria de mais uma vez
agradecer a vocês pelas duas estreias... Na feira cultural e no Rio Grande do
Norte. Apesar de toda dificuldade e pela falta que a Érica nos fez,
conseguimos.
IVAN:
-
Me sinto muito orgulhoso pelo troféu de melhor peça de teatro na feira cultural
e que apesar de tantos problemas que passamos e toda adaptação em Homem do
campo, fomos aplaudidos, admirados e também ficamos em primeiro lugar.
CIÇA:
-
Eu estou muito feliz por tudo que está acontecendo. Por toda oportunidade. Mas
sinto em informar, terei que dar um tempo no grupo.
HELENILTON:
-
O namorado dela não deixa mais ela fazer teatro...
CIÇA: - Cala
boca Vigário!
HELENILTON:
-
Tô mentindo?
MARCONDYS:
-
É uma pena. Sentiremos muito sua falta. Você é uma de nossas estrelas. E você
Leila? Vai nos deixar também?
LEILA:
-
Quem disse?
HELENILTON:
-
O delegado. Mesmo porque agora você é mulher do delegado.
LEILA:
-
Que chato! Cuida da tua vida. Bom, ele só não quer que eu faça cenas de beijo.
IVAN:
-
Não podemos esquecer que Amor fez um belo trabalho ao lado Helenilton e também as
nossas misses, Roberta em Camaratuba, e Melry Love “Amor” que foi eleita miss
Mataraca.
LEILA:
-
Que chique!
IVAN:
-
Sendo pessoas ligadas ao nosso grupo, ficamos muito felizes. E pensar que o
ponta pé inicial foi com As Xuxetas.
MARCONDYS:
-
Fico feliz por tudo isso. E de verdade pessoal, quero aproveitar cada segundo,
porque sabemos que tudo isso vai passar... O que espero que essas páginas
possam ser revistas, lidas e guardadas com carinho, sem deixar a história do
Cultura Jovem de Mataraca morrer. (Apagam-se
as luzes)
CENA
XX
MARONDYS:
-
Estou reunindo vocês aqui, por que está acontecendo algo muito desagradável. E
eu preciso da ajuda de vocês.
IVETH: - Nossa
nego, que tá acontecendo?
MARONDYS:
-
Lembram do microfone que comprei com nosso cachê?
IVETH: - Claro.
MARONDYS:
-
Eu emprestei ao Helenilton para uma celebração lá na igreja matriz. Mas, quando
fui pegar, ele e a beata não quiseram devolver. Disse que o microfone era da
igreja e que havia roubado.
LEILA: - Que
absurdo! Como assim? Todo mundo aqui sabe que é nosso, que é do grupo.
MARONDYS:
-
Se recusam a entregar com essa afirmativa.
CIÇA: - Ou seja,
lhe acusando de roubo.
GESY:
-
E a nota? Você ainda tem? Eu lembro que você mostrou a nota na ocasião, pra
justificar o gasto do dinheiro.
MARONDYS:
-
Sim eu tenho a nota fiscal.
IVAN: - E agora?
Que pretende fazer? Vai deixar pra lá e seguir adiante?
MARONDYS:
-
Se tem uma coisa que não consigo aceitar é com injustiça. E eu estou sendo
injustiçado, acusado de roubo, de algo que é nosso. Compramos juntos e doamos
para o grupo, todos assinaram a doação, então está tudo legal. Pelo microfone,
valor financeiro, eu nem ligaria, daria de esmola. Mas, me acusar de roubo?
Isso pesa.
IVETH: - E que
vai fazer? Tomar a força?
MARONDYS:
-
Já procurei uma advogada, ela disse que posso processar os dois por injúria e
difamação.
GESY:
- Babado!
“Guerra, eu, eu, quero guerra, hoje venho reclamar e o que que tem? Que que
há?” (Canta)
IVETH: - Cala
boca!
GESY:
-
Cala boca você boca de badalo.
IVETH: - E você
tamborete de forró?!
GESY:
-
Posso ser pequena, mas, minhas unhas alcançam seus olhos...
IVETH: - Pois
tente...
IVETH: - Calma
meninas!
MARONDYS:
-
Quem vai cuidar disso é advogada que também está cuidando do processo de
mudança do meu nome...
LEILA: - Não tem
medo de mudar o nome?
MARONDYS:
-
Como você me conhece?
LEILA: - Como
Marcondys.
MARONDYS:
-
Sou Marcondys, pra vocês, pra família e principalmente pra mim mesmo. Então,
não há razão de ter outro nome em meus documentos.
IVAN: - E com
relação ao microfone?
MARONDYS:
-
A advogada vai marcar uma reunião com eles e eu e vê se resolve amigavelmente.
Só não levo ao tribunal, se devolverem e ainda me fizerem um pedido de desculpa
por escrito.
GESY:
-
Já dá uma peça. O julgamento! Estrelando: O microfone! (Todos riem)
CENA
XXI
MARCONDYS:
-
Animado pra formatura?
IVAN: - Não Vou
participar.
MARCONDYS:
-
Como não? É uma coisa única.Acontece uma vez na vida.
IVAN: - Eu não
quero participar. Sei lá, não sinto vontade.
MARCONDYS:
-
Para. Te conheço. Sei que está triste. Vamos conversar? Sabe que pode se abrir
comigo.
IVAN: - Minha
mãe me falou o quanto tua mãe tem nos ajudado.
MARCONDYS:
-
Que rola? Ivan, sou teu amigo. Se eu te der um presente, você não se sentirá
ofendido?
IVAN: - Por que
um presente me ofenderia?
MARCONDYS:- Quero te
presentear com a roupa da formatura.
IVAN: - Não...
Não posso...
MARCONDYS:
-
Ivan, não há vergonha alguma em precisar de ajuda e ser ajudado. Hoje, você
passa por isso, mas, amanhã ou depois pode ser eu. E se você me estender a mão,
ficarei muito feliz, pois acredito na lei do retorno. E eu cara, posso te
ajudar. Não precisa se preocupar, ninguém saberá.
IVAN: - Não sei
como te agradecer por tudo.
MARCONDYS: - Somos
amigos, e amigos é pra essas coisas. E você já pensou no que vai fazer depois
da formatura?
IVAN: - Vou pro
rio de Janeiro. Já conversei com minha tia, e ela topou. E você?
MARCONDYS: - Vou pra
São Paulo.
IVAN: - Será que
seremos famosos?
MARCONDYS: - Não sei.
Só sei que tudo que vivemos aqui, com o nascimento do grupo, nunca
esqueceremos.
IVAN: - Verdade.
Mas, como você nos disse. Tudo tem seu começo, meio e fim.
MARCONDYS: - Já que
tem um fim. Que seja um final feliz.
IVAN: -
Concordo!
MARCONDYS: - Vamos se
despedir em grande estilo. Vamos fazer uma peça com teor evangélico...
IVAN: -
Evangélico, por quê?
MARCONDYS: - Não temos
mais o espaço. Mas a irmã Zeza me pediu pra apresentar algo na igreja dela, já
que a peça Lição de Vida que escrevi pra ela não pode ser apresentada por causa
da morte do pai da Ester. Então, pensei... Como vamos embora, seria bom a gente
se despedir em grande estilo. Gran finale!
IVAN: - E o que
pensou?
MARCONDYS: - Numa peça
curta, de três personagens...
IVAN: - fala
sobre o que?
MARCONDYS: - Sobre um
cara que está em busca do seu caminho e entre encontros e desencontros, sexo,
bebidas, drogas... ele encontra através de um amigo o caminho que o leva o Deus.
IVAN: - E como
se chama a peça?
MARCONDYS: - Em Busca
do Caminho.
IVAN: - Tudo a
ver com esse momento que passamos.
MARCONDYS: - Verdade.
Que caminho será seguiremos?
IVAN: - Não sei.
A única coisa que sei que levarei tudo isso comigo, por toda minha vida.
MARCONDYS: - Teremos
ainda muito pra contar.
IVAN: - Sim
teremos.
MARCONDYS: - Tenho medo... A incerteza do futura nos põe a prova...
IVAN:
- Apesar do medo, estou muito esperançoso.
MARCONDYS: (VÓZ OFF) – Ainda me lembro da sensação
de pisar no palco pela primeira vez, o teatro estava vazio, e eu podia ouvir as
batidas do meu coração e a respiração acelerada, que se misturavam com o
barulho da madeira do palco. Ajoelhado, deitei minha cabeça sobre, e ali havia
um barulho ensurdecedor, o cheiro de mofo inconfundível, e aquela sensação de
vazio, me preenchia, e em segundos me transportava pra um êxtase inexplicável. Ela
tanta emoção que agradecia a todas as forças ali presentes por está ali, e ali
mesmo iniciava minha história de amor, com a certeza que era exatamente isso
que eu queria pra mim, até o ultimo dia da minha vida.