A PILULA FALANTE
Texto: Monteiro Lobato
Adaptação: Marcondys França
PERSONAGENS:EMÍLIA (Boneca de Pano)
NARIZINHO
PEDRINHO (Primo de Narizinho)
DONA BENTA (Avó de Narizinho e Pedrinho)
ANASTÁCIA (Criada)
DOUTOR CARAMUJO
SAPO
DOUTOR CARAMUJO: -
SIRIGUEJO
Peça em um ato
NARIZINHO: - Vamos, vamos Emília... Temos que nos apressar! O quanto antes chegarmos, melhor. Afinal, daqui até o reino das águas claras é uma boa caminhada. Anda Emília, apresse-se! Vamos...
PEDRINHO: - Pra onde vão com tanta pressa?
NARIZINHO: - Vamos para o Reino das Águas Claras!
PEDRINHO: - Pro Reino das Águas Claras?
NARIZINHO: - É. Doutor Caramujo nos espera.
PEDRINHO: - Que vão fazer lá?
NARIZINHO: - Vou te contar mais antes tem que me prometer que irá guardar segredo.
PEDRINHO: - Não direi nada. Palavra de escoteiro!
NARIZINHO: - Vou levar Emília ao doutor Caramujo. É que ele tem uma pílula milagrosa.
PEDRINHO: - Pílula milagrosa?
NARIZINHO: - É. É uma pílula falante.
PEDRINHO: - Pílula falante?
NARIZINHO: - Assim que a Emília tomar esta pílula, como num passe de mágica, ela irá falar.
PEDRINHO: - Como isso é possível?
NARIZINHO: - É só usar a imaginação! Quando aprendemos a ouvir o coração e desejamos o bem. Todos nossos sonhos podem se realizar. Agora vamos Emília... Ah! Não esqueça Pedrinho... Guarde o segredo. (sai)
PEDRINHO: - Ih! Quando a vovó Benta souber... Hum! Bem que Narizinho podia ter deixado eu ir. Eu as defenderia com meu estilingue. Ah! Devi ser uma aventura e tanto. Bem melhor do que tirar o gorro do Saci! (sai)
(No Reino das Águas Claras)
DOUTOR CARAMUJO: - Por mil tubarões! Isto não é possível! Como pode ser?
NARIZINHO: - O que há doutor Caramujo?
DOUTOR CARAMUJO: - O que há? O que há? É ai que está... Não há.
NARIZINHO: - Não compreendo.
DOUTOR CARAMUJO: - Há! É que encontrei meu deposito de medicamentos raros saqueado. Veja! Furtaram todas as pílulas deste recipiente. Todas!
NARIZINHO: - Que maçada!
DOUTOR CARAMUJO: - Isto me tira do sério! Não sabe como...
NARIZINHO: - Mas será que o senhor não poderia fabricar outras?
DOUTOR CARAMUJO: - Fabricar outras?
NARIZINHO: - Se quiser posso lhe ajudar... O senhor tem a formula, não tem?
DOUTOR CARAMUJO: - Impossível minha menina! Só quem tinha a formula era o boticário, o senhor Besouro que já morreu.
NARIZINHO: - Então está formula existe e deve está guardada em algum lugar. Podemos organizar uma busca. Posso pedir ajuda do Pedrinho, do Rabicó e também do Visconde se Sabugosa.
DOUTOR CARAMUJO: - Infelizmente não será possível. O boticário nunca revelou a formula. Quando morreu levou com ele o segredo.
NARIZINHO: - Ah, Que pena! E agora? Que farei? Pobre Emília!
DOUTOR CARAMUJO: - Só restava um cento de mil destas pílulas que comprei dos herdeiros.
NARIZINHO: - Pobre Emília! Tinha tanto a esperança de ouvi-la falar.
DOUTOR CARAMUJO: - O miserável ladrão só deixou uma.
NARIZINHO: - Que boa notícia! Então com esta pílula a Emilia poderá falar.
DOUTOR CARAMUJO: - É imprópria para curar a Emília.
NARIZINHO: - Mas por quê?
DOUTOR CARAMUJO: - Por que a que ficou não é a pílula falante.
NARIZINHO: - Ah! Que pena! E agora?
DOUTOR CARAMUJO: - Agora só há um jeito.
NARIZINHO: - Qual?
DOUTOR CARAMUJO: - Fazendo uma certa operação. Abrindo a garganta da boneca Emília e colocando dentro uma falinha. (Pega uma faca e começa amolar)
NARIZINHO: - E não é perigoso?
DOUTOR CARAMUJO: - Não, não, não... Tudo providenciado. Siriguejo?
SIRIGUEJO: - Doutor?
DOUTOR CARAMUJO: - Traga a experiência... (Houve o barulho do papagaio se debatendo)
NARIZINHO: - Que barulho foi esse doutor?
DOUTOR CARAMUJO: - Não se assuste minha menina. É o papagaio que vem vindo...
NARIZINHO: - Papagaio? Mas que papagaio? Que vai fazer com este papagaio?
DOUTOR CARAMUJO: - É que como não temos mais as pílulas falantes. Mandei capturar um papagaio falador. Assim posso extrair a falinha dele para por na sua boneca.
NARIZINHO: - Não. Isto não! Ó papagaio é um ser vivo. E não devemos matar! Não está certo. Vovó me ensinou a respeita a natureza e os animais.
DOUTOR CARAMUJO: - Mas não deseja que a boneca fale?
NARIZINHO: - Não desta forma. Não podemos sacrificar o pobre papagaio. Assim não quero! Prefiro que a Emília fique muda.
SIRIGUEJO: - Doutor, aqui esta a ave...
PAPAGAIO: - Socorro! Socorro!
SIRIGUEJO: - Não adianta resistir. Está dominada sua ave escandalosa.
PAPAGAIO: - Solte-me! Solte-me... Seu brutamonte!
SIRIGUEJO: - Devo amarra-lhe o bico doutor Caramujo?
NARIZINHO: - Parem! Deixe-o em paz! Não admito que judiem dele.
PAPAGAIO: - Obrigado menina. Me solte!
SIRIGUEJO: - Hei! Calminha aí. (Amarra o bico do papagaio)
NARIZINHO: - Solte-o. Onde já se viu... Maltratar uma pobre ave! Sabia que a maioria destas aves está em extinção? Graça a ação covarde de homens como você. Deveria se envergonhar. (Desamarra o papagaio)
PAPAGAIO: - Obrigado menina!
NARIZINHO: - Meu nome é Lúcia, mas todos me chamam de Narizinho. (Música de Narizinho)
PAPAGAIO: - Bravo! Que bela voz. E obrigado por me defender.
NARIZINHO: - Não precisa agradecer. Apenas fiz o que é certo. Agora vá e continue enfeitado a nossa floresta com sua beleza!
PAPAGAIO: - Adeus Narizinho! Adeus! (Voa. Siriguejo sai)
NARIZINHO: - Adeus! E sempre que puder nos faça uma visita no Sítio do Pica Pau Amarelo!
DOUTOR CARAMUJO: - Agora estamos sem pílulas, sem papagaio... Não há mais o que ser feito para curar a mudez de sua boneca Emília.
NARIZINHO: - Posso tentar o pó de pirlimpimpim!
DOUTOR CARAMUJO: - O pó mágico de pirlimpimpim não serve para esta finalidade.
SIRIGUEJO: - Doutor! Doutor...
DOUTOR CARAMUJO: - Sim? Calma... Respire. Isto! Agora fale.
SIRIGUEJO: - Achamos um suspeito de saquear seu estoque de pílulas.
DOUTOR CARAMUJO: - Verdade? Então o que está esperando... Traga-o.
SIRIGUEJO: - Sim senhor doutor! (Sai)
DOUTOR CARAMUJO: - Enfim uma nova esperança!
NARIZINHO: - Tomara!
SIRIGUEJO: - Aqui está o suspeito.
NARIZINHO: - É um sapo.
SIRIGUEJO: - Olhe a barriga dele.
NARIZINHO: - Está estufada.
DOUTOR CARAMUJO: - Vamos vê o que tem aqui.
SIRIGUEJO: - É muito suspeito douto!
DOUTOR CARAMUJO: - Parece que andou comendo mais que devia! Ou será o que não devia?
SAPO: - Sou inocente doutor!
DOUTOR CARAMUJO: - Como é que é?
NARIZINHO: - Um sapo que fala?
SAPO: - Digo: Crock, crock!
SIRIGUEJO: - Não adianta disfarçar... Sabemos que fala.
DOUTOR CARAMUJO: - O que tem a dizer em sua defesa, nobre senhor sapo?
SAPO: - Sou inocente! Juro que sou! É só uma indigestão este estufa mento em minha barriga.
DOUTOR CARAMUJO: - E o que engoliu?
SAPO: - Não se ao certo.
DOUTOR CARAMUJO: - Então vamos examinar e descobrir o que lhe causou tamanha indigestão. (Retira do sapo um saquinho com pílulas)
NARIZINHO: - Veja! São pílulas.
DOUTOR CARAMUJO: - Algumas de minhas raras pílulas.
NARIZINHO: - Como foram parar na barriga dele?
DOUTOR CARAMUJO: - Não desconfia? Até que enfim reencontrei minhas pílulas. Sem elas eu estaria arruinado! Não mais me aceitariam como médico oficial da corte.
NARIZINHO: - Então, agora podemos curar a Emília doutor Caramujo?
DOUTOR CARAMUJO: - Claro! Agora sim. Temos as pílulas falantes! Mas antes, preciso medicar este sapo comilão e deixá-lo em repouso. Engula. (dar uma pílula) Leve-o Siriguejo. E olho nele. (Siriguejo sai com o sapo) Traga Emília aqui.
NARIZINHO: - Vem Emília...
DOUTOR CARAMUJO: - Abra a boca. (Emilia faz pirraça)
NARIZINHO: - Vamos Emília, abra. (Emilia faz pirraça)
DOUTOR CARAMUJO: - Abra... (Emilia faz pirraça)
NARIZINHO: - Abra a boca! (zangada. Dar um beliscão, Emília abre o doutor enfia a pílula)
DOUTOR CARAMUJO: - Engula! (Emília engole. Música da Emília)
EMÍLIA: - Ah! Que gosto horrível de sapo na minha boca!Vamos, vamos, vamos... Tirem esse barrigudo daqui! Há! Que horror! Precisam redecorar este lugar. Achei a decoração deste consultório muito cafona!
NARIZINHO: - Emília?
EMÍLIA: - Passei a vida inteira muda. Agora que posso falar me repreende? Eu hein! Só estou dando a minha opinião. Quer saber? Estou tão feliz que sinto ate vontade de cantar... (Cantar um trecho de ópera)
NARIZINHO: - Não há um a pílula mais fraca doutor Caramujo? Quem sabe assim ela não fala menos.
DOUTOR CARAMUJO: - Não se preocupe Narizinho. Não será preciso. Deixe-a falar ate cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente.
NARIZINHO: - Ih! Até lá então...
DOUTOR CARAMUJO: - Isto é fala recolhida.
EMÍLIA: - Oh, doutor cara de coruja...
NARIZINHO: - Doutor Caramujo Emília.
EMÍLIA: - Doutor cara de coruja, corujussima, aproveitou teu beslitão e me empurrou aquela pírula.
NARIZINHO: - É belisccão. E não é pírula, é pílula.
DOUTOR CARAMUJO: - Com o tempo ela ajusta a fala.
DONA BENTA: - Narizinho...
NARIZINHO: - É a Vovó Benta chamando! Precisamos voltar. Até logo doutor Caramujo. Vamos Emília...
EMÍLIA: - Mas já? Ainda não disse tudo que penso...
NARIZINHO: - Não seja indelicada Emília. Se despeça do doutor...
EMÍLIA: - Tchau! Cara de coruja!
NARIZINHO: - Emília. Tchau doutor! Muito obrigada! (segura a mão de Emília e tira um pozinho) Pirlimpimpim!
DOUTOR CARAMUJO: - Foi um prazer! (saem)
DONA BENTA: - Por onde andava? Já estava preocupada.
EMÍLIA: - A culpa é dela, dona Benta. Narizinho me fez ficar por horas na companhia daquele doutor cara de coruja.
DONA BENTA: - (Assustada) Mas como é possível? Emília está falando.
EMÍLIA: - Grande coisa!
NARIZINHO: - Emília.
DONA BENTA: - Como pode ser isso? Anastácia! Anastácia... Corra aqui. Venha vê este fenômeno!
ANASTÁCIA: - Que é sinhá?
DONA BENTA: - A boneca de Narizinho está falando.
ANASTÁCIA: - (rir) Impossível sinhá!
DONA BENTA: - Não... Não é. Ouvi.
ANASTÁCIA: - Agora seja! Impressão sua sinhá. Onde já se viu uma boneca de pano que fala de verdade?
DONA BENTA: - Estou dizendo!
ANASTÁCIA: - É coisa de narizinho. Tá magando da senhora. Só o que faltava! Uma boneca falante no Sítio do Pica Pau Amarelo.
EMÍLIA: - É isso mesmo! Uma boneca falente bem aqui. E bem falente!
ANASTÁCIA: - Minha Nossa Senhora! Que isso?
EMÍLIA: - Falo sim. E hei de falar ainda mais! Eu não falava por que era muda, mas o doutor cara de coruja me deu uma pequena pílula que engoli e vou falar pra sempre.
ANASTÁCIA: - Uai! Que diacho é isso? Não é que fala mesmo! Fala que nem gente! Credo! (benze) O mundo está perdido! Até parece assombração. (passa mal)
PEDRINHO: - Então Emília esta falando! Que legal! Narizinho então você conseguiu. Deixa só o Visconde Sabugosa saber disso!
ANASTÁCIA: - Estou até sentindo um troço.
DONA BENTA: - Calma Anastácia. Deve haver uma explicação para este fenômeno.
NARIZINHO: - Tudo isso graças a pílula falante que o doutor Caramujo deu a Emília.
EMÍLIA: - É. Agora eu falo!
NARIZINHO: - E como.
EMÍLIA: - Também canto. Querem ouvi?
NARIZINHO: - Melhor não.
ANASTÁCIA: - Sinhá... Não estou muito bem.
DONA BENTA: - É melhor tomar um chá. Quer saber vou com você. Também preciso de um chazinho!
EMÍLIA: - Quer ouvi a música que aprendi? (Narizinho tapa os ouvidos e sai)
(Todos entram e cantam a música Lindo Balão Azul)
F I M