NOITES FRIAS DE INVERNO
DE: MARCONDYS FRANÇA
PERSONAGENS:
JÔ
CRISTIANO
(Jô e Cristiano se encontram em seu apartamento, ambos estão na sala onde há várias caixas empilhadas, móveis cobertos e quadros enrolados, prontos para mudança).
CRISTIANO: - (Puxando a mala) Você vai ficar bem?
JÔ: -Vou... (T)
CRISTIANO: -Então vou nessa!
JÔ: -Boa sorte.
CRISTIANO: -Pra você também. (T) Até logo. Se, precisar de... (Não contém as lágrimas senta na mala, mão sobre o rosto).
JÔ: -Ô Cristiano, não torne as coisas mais difíceis (T) conversamos tanto...
CRISTIANO: -Desculpe-me se não sou tão forte quanto você. Desculpe-me se me dói tanto saber que meu casamento acabou. Desculpe-me se ainda amo você.
JÔ: -Vamos ser adultos, encarar nossos problemas. Poxa, milhões de casamentos terminam, e as pessoas sobrevivem. Por que tem que ser diferente conosco?
CRISTIANO: -Porque não sou as outras pessoas...
JÔ: -Você esta agindo feito um menino mimado que perde seu brinquedinho predileto.
CRISTIANO: -Se pra você dez anos é um brinquedinho predileto, pra mim é uma vida.
JÔ: -Não foi isso que quis dizer.
CRISTIANO: -Onde foi que eu falhei? Não, eu devo ter feito algo errado.
JÔ: -Não é uma questão de certo ou errado. Será que é tão difícil acertar que nossa relação chegou ao fim?
CRISTIANO: -É. É difícil sim. O mínimo que desejamos é ao menos entender, compreender, entende? Como um casamento de dez anos chega ao fim assim, do dia pra noite.
JÔ: -Não foi do dia pra noite.
CRISTIANO: -Não?
JÔ: -Cristiano. (T) Você sabe que não. As coisas já não tam bem há algum tempo.
CRISTIANO: -Eu devo ser muito insensível. Você acredita que não tinha percebido? Tanto que me surpreendeu quando você chegou pra me falar que...
JÔ: -Que eu queria um tempo...
CRISTIANO: -É que você queria um tempo...
JÔ: -Já fazia um bom tempo que eu queria chegar em você e conversar. (T) Mas não sabia como (T) Eu tinha medo de magoar você...
CRISTIANO: -E você acha que me magoou menos adiando...?
JÔ: -Não! (T) Mas fui honesta. Eu expus os meus sentimentos, as minhas insatisfações...
CRISTIANO: -Você sempre soube que nunca acreditei em dar um tempo. (T) Isso é apenas pretexto para se sentir livre.
JÔ: -Às vezes a impressão que me da é que você tem as pessoas como objeto, uma propriedade sua...
CRISTIANO: -Isso não é verdade, o que espero das pessoas é que elas sejam honestas.
JÔ: -E fui. (T) Cheguei pra você, falei tudo que se passava comigo. (T) Enfrentei meu próprio medo de não ser entendida por você.
CRISTIANO: -Há quanto tempo você deixou de me amar?
JÔ: -Não Cristiano. Não vamos falar...
CRISTIANO: -Não vamos falar sobre isso? Por que? Você não é sempre tão verdadeiro, tão honesto? (T) De que você tem medo? Da verdade, que eu veja você, como realmente é?
JÔ: -Prometemos um ao outro, que se um dia acabasse, ao menos tentaríamos acabar tudo da melhor forma possível. (T) Em respeito a tudo que vivemos.
CRISTIANO: -É inverno.
JÔ: -Eu sei!
CRISTIANO: -Quando nos conhecemos também era inverno. (T) Lembro-me como se fosse hoje de cada detalhe daquela noite fria de inverno. (T) O suéter que você usava, você estava tão cheio de roupas que mais parecia um novelo de lã gigante. (T) Mas, quando vi você passar algo de muito especial em você me chamou a atenção e ali eu soube que queria tê-la e que você seria a mulher da minha vida.
JÔ: -E fui. Cristiano nos apaixonamos em meia as luzes da cidade. Nos beijamos debaixo de toda garoa. (T) E a única coisa que queríamos era está junto um do outro sentindo nossos corpos aquecer a cama...
CRISTIANO: -Não queria esquecer a sensação de me sentir dentro de você. (T) De ouvir seus sussurros em meus ouvidos, as tuas unhas arranhando minhas costas e teus dentes fincados em meu ombros.
JÔ: -Não esqueceremos.
CRISTIANO: -As nossas loucuras, que deixava o vidro da janela embaçado o sexo suave ou selvagem fosse hora no quarto, na cozinha, na sala, no banheiro, ou lugares mais inusitado...
JÔ: -Você era um menino.
CRISTIANO: -E você mulher mais perfeita do mundo...
JÔ: -Cheio de medo e inseguranças.
CRISTIANO: -Queria ser um super homem.
JÔ: -E na tua ingenuidade foi.
CRISTIANO: -Queria aprender a dominar meu corpo para impressionar você.
JÔ: -Às vezes ia com tanta sede que... (T)
CRISTIANO: -Chegava ao orgasmo precoce...
JÔ: -É... (T) E fazia uma carinha de criança assustada!
CRISTIANO: -Ai, você tranqüilizava. (T) Ma preparava... (T) Acho que era nesses momentos que realmente nosso prazer começava.
JÔ: -Você era tão cheio de pudor!
CRISTIANO: -Enquanto você tinha uma segurança incrível! Sempre me parecia tão livre de qualquer pudor, pronta para o máximo do prazer. Fizemos de tudo que a criatividade pudesse nos conceder, e é incrível, como tudo ainda está vivo dentro de mim. É como se fosse tatuagem grudada em minha pele...
JÔ: -E vão permanecer. Por que foi bom! E o que é bom é para sempre.
CRISTIANO: -Que aconteceu conosco?
JÔ: -Cris...
CRISTIANO: -Se não souber, se não entender... (T) Me sentirei perdido!
JÔ: -Deixei de te amar!
CRISTIANO: -Desde de quando?
JÔ: -Cris...
CRISTIANO: -Lembra de nosso papo logo quando nos conhecemos?
JÔ: -Quê?
CRISTIANO: -Esqueceu/
JÔ: -Conversamos tantas coisas!
CRISTIANO: -Que seriamos honestos um com o outro. (T) Então seja honesta... Vamos aproveitar esse momento que cada um está seguindo seu caminho. Esta é uma chance única... (T) para ambos...
JÔ: -Ta certo! Você tem razão. Faz tempo.
CRISTIANO: -Quanto tempo?
JÔ: -Três anos, mais ou menos.
CRISTIANO: -Três anos?
JÔ: -É! Três anos.
CRISTIANO: -Meu deus! Três anos!
JÔ: -É melhor agente parar por aqui.
CRISTIANO: -Não (T) Talvez não exista momento tão propício que este.
JÔ: -Será que você não percebe que isso só fará com que agente se machuque?
CRISTIANO: -quando estamos feridos um novo machucado não causa tanta dor quanto o primeiro.
JÔ: -Acho melhor não falar-mos sobre isso!
CRISTIANO: -Eu desejaria que falássemos... (T) Será melhor para nós.
JÔ: -Ta bom! (T) Há três anos atrás, nós estávamos atravessando uma fase difícil. Lembre-se?
CRISTIANO: -Acho que sim.
JÔ: -Eu ia pra o trabalho e ficava me perguntando: E se eu não voltasse mais para casa?
CRISTIANO: -Tinha vontade de abandonar... (T) de me abandonar?
JÔ: -Porra! Estávamos em crise. Eu não conseguia suportar tua voz, teu cheiro, teu sexo, e até mesmo teu amor...
CRISTIANO: -Tinha nojo de mim?
JÔ: -Queria viver coisas novas. (T) conhecer outros homens, homens esses que pudessem despertar em mim à vontade de viver, sentir tensão... (T) de fazer loucuras. (T) Foi aí que um dia no metrô, um negro lindo, alto, forte, viril encostou em mim e eu senti o pênis dele ereto roçando em mim...
CRISTIANO: -Você permitiu?
JÔ: -Claro! Queria, mas que tudo!
CRISTIANO: -Não acredito.
JÔ: -É melhor parar...
CRISTIANO: -Não! (grita) Quero saber.
JÔ: -Que mesmo saber?
CRISTIANO: -Quero.
JÔ: -Percebi que tinha um pau maravilhoso, grande... Disfarçadamente virei de frente para ele e o cara tinha uma cara de safado, cachorro, cafajeste e isto me deixou muito mais excitada! Abri o zíper da calça dele e acariciei o pau do cara... Ele ficou louco! A minha vontade era de trepar com ele ali mesmo. Aqui puta negão, abriu um botão da minha blusa e com aquele dedo grosso e áspero acariciou o bico do meu peito. E assim fomos várias vezes indo e voltando aproveitando o horário de pico...
CRISTIANO: -Vocês transaram?
JÔ: -Infelizmente não. Mas tentei o encontrar por vários dias, meses... (T) Tinha a esperança de vê-lo e se encontrasse...
CRISTIANO: -O que faria?
JÔ: -Teria coragem de convidá-lo ao motel.
CRISTIANO: -E não o encontrou?
JÔ: -Não. Mas, nesta busca muito outros houveram. Era como uma droga!
CRISTIANO: -E?
JÔ: -Fui. Muitas vezes!
CRISTIANO: -Não sentia culpa?
JÔ: -Às vezes me sentia uma vagabunda, ordinária e jurava que pararia... Era como um vício. Para por um tempo e depois, quando percebia estava eu repetindo os mesmos atos. Era como se fosse a puta do metrô! E assim eu me realizava, me sentia desejada!
CRISTIANO: -E quanto a mim? O que sentia?
JÔ: -Pena! Eu tinha pena de você. Sempre tão dedicado, cheio de amor, carinho, atenção... (T) Mas eu já tinha me satisfeito nos braços de outro homem.
CRISTIANO: -Isso acontecia sempre?
JÔ: -Quase todos os dias. Perdi as contas de a quantos homens me entreguei. Os mais variados tipos: pobres, ricos, com cultura, sem, baixos, altos, gordos, magros, loiros, brancos, negros o que me interessava era que fosse novidade e me pegasse de jeito...
CRISTIANO: -Piranha!
JÔ: -É. Fui! Sou. Sei lá... Satisfaço-me assim. Descobri que não nasci para ser a mulher perfeita, porém infeliz! Prefiro esta imperfeição, mas que me traga felicidade...
CRISTIANO: -Vaca! (tapa na cara)
JÔ: -E tem mais! (T) Um dia trouxe dois caras de uma só vez e, fizemos desgraças aqui neste apartamento em nossa cama...
CRISTIANO: -Vadia!
JÔ: -Não queria a verdade? Não queria que fosse honesta? Então? Fui. (chora) Não sirvo pra você. Sim sou uma vadia, não mereço teu amor. Você é muito melhor que eu. Isso tenho que reconhecer! É a melhor pessoa que já conheci. É tão perfeito que me faz senti ódio de você.
CRISTIANO: -Não. Não sou melhor que você.
JÔ: -Claro que é. Sempre tão honesto, tão verdadeiro, sou até capaz de colocar a mão no fogo por você...
CRISTIANO: -Não ponha. (T) Pode queimar! (T) também te traí...
JÔ: -Todo homem traí. É instinto!
CRISTIANO: -Não com mulheres...
JÔ: -O que? Como é que é?
CRISTIANO: -Muitas vezes antes de vir para casa eu dava um jeito de ir...
JÔ: -O que está dizendo?
CRISTIANO: -Ia aos cinemas gays...
JÔ: -Isso não! Não você...
CRISTIANO: -Difícil de acreditar né?
JÔ: -Está querendo me ferir...
CRISTIANO: -Não. Já que estamos sendo sinceros um com o outro... Vamos confessar nossos pecados! Não seria justo eu saí por está porta sem que soubesse...
JÔ: -Soubesse o que? Acho que está inventando estas coisas só para me magoar...
CRISTIANO: -Não (T) Mantive segredo e este segredo me torturava sem piedade! Ia aos cinemas em busca de aventuras inusitadas, estive com vários homens e fiz com eles o diabo.
JÔ: -Não, não pode ser! É loucura!
CRISTIANO: -Sempre fiz de forma que não percebesse.
JÔ: -Você! Um viado?
CRISTIANO: -Dei! Comi! Fiz o cacete! E quer saber? É muito bom. É maravilhoso!
JÔ: -Canalha!
CRISTIANO: -Lembra do Carlos?
JÔ: -O médico?
CRISTIANO: -É. O mesmo que freqüentava nossa casa por anos...
JÔ: -Vocês?...
CRISTIANO: -Éramos amantes e ficamos juntos por cinco anos e, na tua cara, debaixo do teu nariz. Como é a vida, não é mesmo? Cheia de surpresa! Vivemos juntos debaixo do mesmo teto, julgamos conhecer a capacidade do outro, e depois, descobrimos que não passamos de estranhos convivendo no mesmo lugar.
JÔ: -Poderia esperar qualquer coisa de você, menos que fosse...
CRISTIANO: -Gay? (T) Pois é. Pra vê como a sociedade é hipócrita! Tem uma visão distorcida dos fatos. Acham que viado é aquele que anda vestido de mulher e não sabe que a maioria são como eu, casado, que saí por aí louco pra trepar com o primeiro cacete que encontrar.
JÔ: -Odeio você!
CRISTIANO: -Deveria me amar.
JÔ: -Sai de minha frente! Você me enoja.
CRISTIANO: -Não deveria. Seu histórico não é melhor nem pior que o meu!
JÔ: -Sai.
CRISTIANO: - (pega a mala dá uns passos, para) Quantos homens daqueles do metrô eram realmente heteros?
JÔ: -Que importa?
CRISTIANO: -No que sou diferente? Fora o fato de ter te amado.
JÔ: -Serão sempre uma ilusão, assim como seria se...
CRISTIANO: -Continuasse a omitir a verdade sobre minha sexualidade!
JÔ: -Eles são melhores...
CRISTIANO: -Até quando? (Saí. Ela chora).
F I M