fevereiro 17, 2011

SINHANINHA (Texto de Teatro)

OBS: Este texto ainda é um rascunho da nova peça que breve será encenada pelos educandos do CPCA São Benedito, e que posteriomente passará por correções.
SINHÁ ANINHADe: Marcondys França

PERSONAGENS:

ANINHA
CEL SALES (Pai de Aninha)
ALVA (Mãe de Aninha)
BINÁ (Ama de Leite)
SEVERINA (Escrava Invejosa)
BERNADETE (Dama de Compania)
ZULÚ (Escravo Apaixonado Poe Aninha)
DR. RAMOS (Pretendente de Aninha)
CLOVIS (Pai de Ramos)
ALBERTINA (Mãe de Ramos)
QUILÊ (Escravo de Ramos) jose
PADRE SOARES
DALVA (Suposta Sobrinha de Soares)
COISA RUIM (Capitão do Mato)

ATO I
CENA I
(Entra vários escravos cruzando o palco em várias situações que remete ao trabalho do cotidiano escravo).
ANINHA: - Acho conveniente que paramos um pouco... Sinto que meu coração em saltos.
BERNADETE: - Que é conveniente, é que vortamo pra casa grande antes que vosso pai dê por nossa falta.
ANINHA: - Deixa de teu agoro Dete! Papai não tem desconfiar de nada. A menos que você dê com a lígua nos dentes.
BERNADETE: - Deus que livre e guarde! Tenho amor a minha vida. Se bem que seio, que se, vosso pai descobre esses seus desvaneios, quem vai pagar sou eu. O tronco é o menor castigo que receberei por lhe acobertar.
ANINHA: - Que exagero, Dete! Não atormentes vossa alma, tranquilise vosso coração... Papai não há de saber. Também, não fiz nada, fiz?
BERNADETE: - É mió parar com esses encontros as escondidas enquanto ainda há tempo.
ANINHA: - Não seja tola.
BERNADETE: - Sinhaninha num acha que isso ta ficano sério demais?
ANINHA: - E quem disse que o que sinto por Zulu, não é sério?!
BERNADETE: - Que futuro pode ter Sinhaninha ao lado de um negro, escravo?
ANINHA: - Pra mim, Zulu é apenas um homem, como todos os outros. E que eu o amo.
BERNADETE: - Mas é um escravo. E nada tem pra lhe oferecer.
ANINHA: - Quem disse? O amor, não conta?
BERNADETE: - Não vê que isto é uma grande loucura? Jamais esta sociedade irá consentir que uma branca se case com um negro escravo, ainda mais se tratando da sinhaninha.
ANINHA: - Chega Bernadete. Não desejo zangar-me com você. Agora vamos... Falta pouco. (Saem)
CENA II
QUILÊ: - De casa... De casa... De casa...
SEVERINA: - Etá! Que fundunço é esse logo cedo na porta do zotro?
QUILÊ: - Bons dias!
SEVERINA: - Só se for pra vossuncê. Pra eu o dia é igualzinho os zotro. Que vosmicê que?
QUILÊ: - Vim aqui mode um recado que tenho do meu sinhô pro coroné.
SEVERINA: - E que recado é esse?
QUILÊ: - Vossuncê é mermo muito encherida. O recado é pro tu sinhô, não pra vosmicê.
SEVERINA: - Vossuncê é mermo muito mal educado!
QUILÊ: - O recado é pro coroné, não é pra quarquer um.
SEVERINA: - Desde quando eu sou quarquer um? Poi fique o moço sabeno que sou uma criada de confiança aqui na casa.
QUILÊ: - É mermo?
SEVERINA: - É.
QUILÊ: - E o que faz uma criada de confiança vestida assim? Em trapos.
SEVERINA: - Vossuncê é um grosseirão.
QUILÊ: - E Vossuncê uma intrometida. Agora deixa de conversa e vai logo chamá teu sinhô que eu num tenho o dia todo não. (Ela sai) Só o que me fartava!
BINÁ: - Quilê!
QUILÊ: - Mãe Biná! Sua bença.
BINÁ: - Que Deus o abençoe, meu filho. O que faz por aqui?
QUILÊ: - Vim trazer um recado do meu sinhô para o coroné.
BINÁ: - Meu sinhô num ta não. Mas minha senhora está. Serve ela?
QUILÊ: - Acredito que sim.
BINÁ: - Então espere aqui. (Olha para Severina) E vossuncê... Vá pegar um ponche pra o nego Quilê.
SEVERINA: - Só que me fartava, selvir escravo. (Ela sai resmungando)
BINÁ: - Mai é muito atrevida essa negrinha. (Sai)
QUILÊ: - Então é aqui que mora Sinhaninha!
SEVERINA: - (Disfarça e cospe dentro do copo) Seu ponche senhor... Da mió qualidade! Espero que goste. Foi preparado com todo carinho. Inté mais vê. (Sai)
ALVA: - Bons dias!
QUILÊ: - Bons dias senhora.
ALVA: - O que o trás aqui?
QUILÊ: - Tenho um recado do meu sinhô pra o coroné.
ALVA: - Infelizmente Salles não se encontra na fazenda. É algo que eu possa ajudar?
QUILÊ: - Sim senhora, acredito que sim. É que meu sinhô pediu para avisar, ao sinhô seu marido, que o meu sinhô virar esta noite em sua casa para tratar de um assunto do interesse de seu marido.
ALVA: - Tudo bem. Pode deixar, que assim que Salles retornar a fazenda darei o recado do seu senhor.
QUILÊ: - Muito agradecido senhora. Com sua licença...
ALVA: - Fique a vontade.
QUILÊ: - Mãe Biná... Mais uma vez, sua benção.
BINÁ: - Vá com Deus meu filho. (Ele sai)
ALVA: - Ah, Biná! Será que é o que estou imaginando.
BINÁ: - Já era de se esperar sinhá.
ALVA: - Então... Prepare o melhor banquete possível para esta noite. Não podemos decepcionar em hipótese alguma.
BINÁ: - Sim sinha. A sinhá pode deixar... Cuidarei de tudo pessoalmente.
ALVA: - E Aninha?
BINÁ: - Deve está vortando do passeio...
ALVA: - Já pedi pra Aninha diminuir a freqüência desses passeios. É perigoso. Só ela e Bernadete. Me preocupa!
BINÁ: - Mas ta tudo bem. Notícia ruim corre rápido! (Saem)
SEVERINA: - Tomara que dê tudo errado!
CENA III
ANINHA: - Ah! Chagamos.
BERNADETE: - Ainda acho mió vorta pra fazenda
ANINHA: - Deixa de ser pessimista Dete. Aqui estamos segura. Conheço bem essa região.
BERNADETE: - Com Coisa Ruim rondando esse mundão de meu Deus, ninguém está seguro.
ANINHA: - Logo Zulu chegará.
BERNADETE: - Esse é meu temor.
ANINHA: - Se continuar, assim, resmungando... Da próxima vez, virei só.
BERNADETE: - E o que dirá a vossos pais?
ANINHA: - Que queria vê as rosas.
BERNADETE: - Uma jovem branca se encontrando a escondida com um negro. Nunca que isso dará certo.
ZULU: - Sinhaninha...
ANINHA: - Apenas Aninha, Zulu.
ZULU: - É a força do hábito.
ANINHA: - Que bom que veio.
ZULU: - Não a deixaria esperano por nada nesse mundo.
BERNADETE: - Vossuncê devia ara ter mais juízo. Assim pouparia a sua vida e a minha.
ANINHA: - Bernadete!
BERNADETE: - Perdão Sinhaninha, não dá pra ficar olhando essa loucura e ficar calada.
ANINHA: - Se você que é negra, escrava, se incomoda em nos ver juntos... Isso comprova que o preconceito vai muito além dos brancos.
BERNADETE: - É que eu quero muito bem a vossuncês. Não desejo que nada de ruim aconteça. A Sinhaninha bem sabe o que irá acontecer se esse romance entre a filha do coroné com um escravo for descoberto. Zulu será um homem morto. E quanto a mim? Só Deus terá piedade.
ZULU: - Amo Aninha e não tenho medo do que possa acontecer. Pelo amor de Aninha sou capaz inté de morrer.
ANINHA: - Por favor, meu querido... Não diga uma coisa dessa. Ninguém vai morrer. Lhe perder, como eu perdesse a minha própria razão de viver.
ZULU: - Amo você minha branquinha!
ANINHA: - E eu a você meu nego!
ZULU: - Me dá honra de um passeio?
BERNADETE: - Podem ser vistos!
ANINHA: - Claro!
BERNADETE: - Ah, céus! Oh, vida cruel!
ANINHA: - Já volto Dete.
BERNADETE: - Vê se não demora. Logo vai escurecer. (Eles saem) Fazê o que? Só me resta esperar. Preciso de uma sombra. (Sai)
CENA IV
CLÓVIS: - Quilê...
QUILÊ: - Meu sinhô.
CLÓVIS: - E então?
QUILÊ: - Seu recado foi passado. O Coroné Salles num tava não. Mas dei o recado a sua senhora, dona Alva.
CLÓVIS: - Que boa notícia! Pode ir
RAMOS: - E que recado é esse meu pai?
CLÓVIS: - Meu filho... Em breve seu noivado com Sinhá Aninha será oficializado.
RAMOS: - Só espero que Sinhaninha faça bom gosto neste noivado.
CLÓVIS: - E como não há de gostar? És um belo homem, bem apanhado, educado formado na melhor universidade da Europa, rico, melhor partido não há.
RAMOS: - Falo de amor meu pai.
CLÓVIS: - Amor vem com o tempo. Ou pensa que eu e sua mãe já nos conhecíamos antes de nos casar... Só conheci sua mãe no dia do nosso casamento. Claro que foi embaraçoso. Precisava vê a cara de assustada da tua mãe. Mas depois com o passar dos anos fomos nos conhecendo e... Ai sim veio o amor. E posso lhe garantir meu filho, hoje, nesta província, não há casal mais feliz que nós.
RAMOS: - A última vez que vi Aninha, ainda era uma menina, devia ter lá os seus sete pra oito anos de idade.
CLÓVIS: - Não imaginas a moça linda que se tornou.
RAMOS: - Tenho medo que não goste de mim.
CLÓVIS: - O coronel Salles deu sua palavra, e isto já é o suficiente. Além do mais a união entre vocês será muito bom os negócios de ambas famílias. Além do mais es um Brandão e os Brandão nunca foram rejeitados por uma mulher.
RAMOS: - Espero dar seguimento a tradição.
CLÓVIS: - És um bom homem. E isto a jovem Aninha irá perceber de imediato. E agora meu filho... Vamos comemorar. Albertina...
ALBERTINA: - Sim senhor meu marido.
CLÓVIS: - Traga o nosso melhor licor. Precisamos comemorar
ALBERTINA: - E o que vamos comemorar?
CLÓVIS: - O noivado do nosso amado filho.
ALBERTINA: - Noivado?
CLÓVIS: - Com a jovem Aninha, filha de Salles e Alva.
ALBERTINA: - Isso muito me alegra! Parabéns filho. Não poderia ter feito melhor escolha.
RAMOS: - Obrigado, minha mãe. Agora só me resta saber se Aninha está de comum acordo.
ALBERTINA: - E por que não haveria de está? És o melhor partido desta província. E moça alguma em idade de casar pensaria em recusar um pedido seu.
CLÓVIS: - Ouviu, filho? As opiniões são unânimes!
RAMOS: - Sendo assim... Só nos resta comemorar!
CENA V
BINÁ: - Por Deus! Por onde andará essas desmioladas? Já ta quase na hora da ceia.
ANINHA: - Chegamos!
BERNADETE: - Ainda bem.
ANINHA: - Disse-lhe que não havia com que se preocupar.
BERNADETE: - Diz isso por que não teu coro que será arrancado num tronco.
ANINHA: - Você é muito exagerada.
BINÁ: - Que pensam que estão fazendo? Isto é lá hora de chegar? Vossa mãe já pergunto pro vossuncê...
BERNADETE: - Estou com os nervos a flor da pele.
BINÁ: - Isto é lá hora de duas moças andarem por aí? É bom que vosso pai num fique sabeno disso.
BERNADETE: - Bem avisei a Sinhaninha... Mas não me deu ouvidos.
ANINHA: -
BINÁ: - Com você depois converso. Quanto a você mocinha, trate de tomar um belo banho...
ANINHA: - Que cara é essa Biná? Aconteceu algo enquanto estivemos fora?
BINÁ: - Não tenho autorização pra falá. Ordens de vossa mãe. Agora vá... Tome seu banho.
ANINHA: - Vai me deixar assim, curiosa?
BINÁ: - Que posso fazer menina? Sigo ordens... Agora vá e não pergunte mais nada.
ANINHA: - Ih, já não estou gostando nada disso. Biná... Se me contar, posso fingir que não estou sabendo de nada.
BINÁ: - Não deveria. Não foi isso que vossa mãe lhe ensinou. Agora vá, e não insista. Não direi.
ANINHA: - Acho que estás ficando velha e ranzinza!
BINÁ: - E mais obediente que nunca! Agora vá.
ANINHA: - Está bem! Já entendi...
BINÁ: - Aninha... Sei bem que estás aprontando alguma...
ANINHA: - O que sabes?
BINÁ: - Ora menina... Não nasci ontem.
ANINHA: - Não sei o que dizes.
BINÁ: - Pois eu sei. E como sei.
ANINHA: - Estás variando!
BINÁ: - Cuide de tomar seu banho e colocar seu melhor vestido. (Sai)
ANINHA: - Abriste tua boca.
BERNADETE: - Eu? Não. Juro que não.
ANINHA: - Espero que não. Não te esqueças que és minha dama de compania e devo confiar em você e você me deve lealdade.
BERNADETE: - Por tudo que é mais sagrado... Não disse. Além do mais meu pescoço também está em risco.
ALVA: - Onde estavam? Já é tarde e deve se aprontar.
BINÁ: - Vamos Bernadete. (Saem)
ANINHA: - Senhora minha mãe, da pra me dizer o que está acontecendo aqui?
ALVA: - Temos um jantar muito importante hoje...
ANINHA: - Jantar?
ALVA: - É, minha filha. O Cel Brandão e sua família virão hoje jantar conosco.
ANINHA: - E qual o motivo desse jantar tão especial?
ALVA: - Deixa de fazer tantas perguntas e vá se preparar... Já não lhe disse pra ter coisado com o sol? Os homens minha filha não gostam de mulheres com a pele queimada. Preferem peles alvas, delicadas. Agora vá... Se apronte... E não demore. Jovens! (Saem)
CENA VI
BERNADETE: - Que acontece nessa casa mãe Biná?
BINÁ: - Que acontece nessa casa eu sei, mas o que me preorcupa é o que acontece fora desta casa.
BERNADETE: - Por que está dizeno isso?
BINÁ: - Que os orixás guiem vossuncê e essa menina, pelo que estão fazeno, ou pensano em fazê. Espero que Aninha se case o quanto antes... Que to veno a hora é uma desgraça.
BERNADETE: - Casá?
BINÁ: - É casá. Hoje o coroné Brandão vem em nome de seu filho o Dr. Ramos, pedir a mão de Aninha em casamento.
BERNADETE: - Será que Sinhaninha vai aceitá?
BINÁ: - E por que num haveria de aceitá?
BERNADETE: - Sei lá...
BINÁ: - Menina, menina! Isso seria uma afronta para a família do jovem doutor. Além do mais, Aninha está prometida a Sr. Ramos desde que era uma menina.
BERNADETE: - É tão cruel esta forma de se escolher um noivo.
BINÁ: - Desde que o mundo é mundo é assim que é...
BERNADETE: - Por que?
BINÁ: - Por que é assim.
BERNADETE: - Não se passa na cabeças dos pais que eles podem não se gostarem?
BINÁ: - Vossuncê tem muito que aprender Bernadete. Agora deixa de conversa e me ajude a prepará a mesa.
BERNADETE: - Nós escravos que somos felizes. Ao menos podemos escolher o nosso marido.
BINÁ: - Num seja tola. Somos propriedade dos brancos. Vendidos e separados das pessoas que amamos. Nos tiram tudo. Marido, mãe, pai e intém filhos.
BERNADETE: - Foi assim com vossuncê?
BINÁ: - Tenho mais o que fazê que ficá aqui de conversa fiada.
SEVERINA: - Oia! Se não a Bernadete, a ilustríssima dama de companhia.
BERNADETE: - Poi pode oiá... E oiê bem, morrar de inveja.
SEVERINA: - Inveja? Eu? (Rir) Só que me fartava. Tê inveja de uma escravinha ralé, mentida a besta. Acha que só por que ta com essa roupa de branca é mio que eu?
BERNADETE: - Posso num sê mio. Mais sei que daria tudo pra ta no meu lugar.
SEVERINA: - Aproveita bem neguinha... Isso num durará muito tempo.
BERNADETE: - Que vossuncê ta quereno dizê?
SEVERINA: - Eu? Nada.
BINÁ: - Agora parem já com isso vocês duas. Preciso de ajuda. E você Severina... Já que num tem o que fazê, cai fora da minha cozinha.
SEVERINA: - To de oio em você Detinha!
BERNADETE: - Cobra!
BINÁ: - Chega. Se num sai chamo o capitão...
SEVERINA: - Isso... Chama. Aproveita e chama o Coroné Salles. Deixa ele sabê que coisas acuntece aqui, bem debaixo do bigode dele.
BINÁ: - Que isso agora? Do que ta falano moleca?
SEVERINA: - Num sabe? Logo vosmicê que sabe tudo! Que tudo vê... Num vai me dizê que seus búzios está te traino, ou será que a mãe Biná ta ficano gagá?
BINÁ: - procura teu rumo sua má criada.
SEVERINA: - Ah, que medo!
BERNADETE: - Cai fora daqui...
SEVERINA: - Pergunta pra Bernadete... Ela sabe do que to falano. Tenho certeza que vai preferir que eu fique de boca bem fechada. Num é mermo Detinha?
BERNADETE: - Num sei do que vossuncê ta falano.
SEVERINA: - Não? Então mode que ta com tanto medo?
BERNADETE: - Vossuncê é uma cobra venenosa e traiçoeira.
SEVERINA: - Então cuidado comigo.
BERNADETE: - Além de mentirosa.
SEVERINA: - O encontro de hoje a tarde, foi um fingimento?
BERNADETE: - Estava nos seguindo?
SEVERINA: - Mio vive mió os mais esperto.
BERNADETE: - O que você quer?
SEVERINA: - Na hora certa, saberá. Há detinha! Num quero ta na sua pele quando o capitão do mato, o Coisa Ruim, soubê... E vossuncê sabe muito bem, que ele é doidinho pra colocar as maõs nessa sua pelezinha de negrinha disfarçada de Sinhá.
BERNADETE: - Vossuncê é um montro!
SEVERINA: - Ah, se eu fosse vossuncê... Faria tudo que euzinha madar. (Sai)
BERNADETE: - Meu Deus!
BINÁ: -Calma menina. Vai vê que ela apenas ta te colocano medo.
SEVERINA: -
BERNADETE: - Ela descobriu tudo! Tenho certeza. Estou perdida! Perdida... Perdida, mãe Biná.
BINÁ: - Acalme teu coração filha. Não sofra por antecipação. Calma! Vou te preparar um chá de camomila.
BERNADETE: - E agora? Que farei?
BINÁ: - Me conte. Quem sabe, posso ajudar...
SEVERINA: -
BERNADETE: - Infelizmente, não posso. Não posso. Sinto muito mãe Biná.
BINÁ: - Entendo filha. Vamos... Venha comigo. (Saem)
CENA VII
ZULÚ: - Vossuncê só pode te ficando maluco...
QUILÊ: - Se amar verdadeiramente é maluquisse... Sim, estou maluco.
ZULÚ: - Nunca uma arrumação dessa dará certo.
QUILÊ: - É tão difícil acreditar no amor?
ZULÚ: - No amor não. Mas nessa loucura de um negro, escravo, amando uma moça branca. Ainda mais filha de quem é.
QUILÊ: - Se depender de mim... Vou me casar com Sinhaninha.
ZULÚ: - E assim assinará sua sentença de morte.
QUILÊ: - Se ela quiser... Fujo com ela pro quilombo.
ZULÚ: - Abestalhou de vez! Nunca que uma moça igual a Sinhaninha vai se acostumar a viver num quilombal.
QUILÊ: - Aninha me ama.
ZULÚ: - Mas não suportará uma vida ao lado de um negro fugitivo. Isto se o capitão do mato num te pegar antes.
COISA RUIM: - O que tanto conversam?
ZULÚ: - Nada não capitão...
COISA RUIM: - E o que faz vossuncê a cá?
ZULÚ: - Fazê um mandado pro meu sinhô.
COISA RUIM: - Então caça teu rumo.
ZULÚ: - Se sinhô...
COISA RUIM: - E tu nego, vorta a teu trabalho. Num quero nego preguiçoso aqui na fazenda não.
QUILÊ: - Se sinhô... (Sai)
COISA RUIM: - Arre! Estes negos estão aprontando... Eles que me arrumem alguma baderna... (Sai)
CENA VIII
ALVA: - Estou com os nervos a flor da pele.
CEL SALES: - Acalma-te. Tudo há de dá certo.
ALVA: - Fiz o possível para que a hospitalidade que oferecemos a nossos convidados seja o mais agradável possível.
ANINHA: - Por que tanto mistérios?
CEL SALES: - Está noite, é uma noite muito especial minha filha. Espero que comporte-se como de acordo a ocasião.
ANINHA: - Claro papai. Quanto a isso não há com que se preocupar. Os Jamais envergonharia
ALVA: - Quanto a isso não temos dúvidas.
BINÁ: - Sinhá...
ALVA: - Sim Biná?
BINÁ: - O coroné Clóvis e sua família acabam de chegar.
ALVA: - Peça que entram, Biná.
BINÁ: - Por favor...
CEL SALES: - Sejam bem vindos!
CLÓVIS: - Sales... Meu grande amigo. Quanta honra...
CEL SALES: - A honra é toda minha em recebê-los em minha humilde casa
CLÓVIS: - Quanta modéstia! Este é Ramos, meufilho.
RAMOS: - É um imenso prazer senhor.
CEL SALES: - Enfim, tenho a honra de conhecê-lo pessoalmente.
RAMOS: - Espero não desapontá-lo, senhor.
CLÓVIS: - Minha senhora creio que o senhor já conhece.
CEL SALES: - Claro. Encantadora como sempre.
CLÓVIS: - Então está deve ser a bela Ana.
ANINHA: - Gentileza sua senhor.
ALVA: - Bem, que tal sentamos...
ALBERTINA: - É uma ótima idéia... Estou com meus pés me matando.
ALVA: - Biná...
BINÁ: - Sinhora?
ALVA: - Traga-nos um suco.
CEL SALES: - Senhores... Vou servi-los a melhor bebida de toda redondeza. (Serve)
CLÓVIS: - Essa é das boas!
CEL SALES: - E ao que devo a honra dessa tão gratificante visita?
CLÓVIS: - Como o amigo já deve imaginar... Estou aqui fazendo as formalidades pra honrar a uma promessa feita há alguns anos atrás. Claro que espero que o amigo não há tenha esquecido.
CEL SALES: - A palavra de um homem é mais valiosa que qualquer fortuna.
CLÓVIS: - Represento meu filho Ramos e peço ao senhor a mão de sua filha Ana em nome do meu filho, conforme todas as formalidades...
CEL SALES: - Muito me honra este pedido, pois bem sei da índole de vosso filho e sei o quanto Dr Ramos poderá fazer Aninha feliz. E da minha palavra, não volto atrás. A mão de Aninha está concedida a seu filho.
CLÓVIS: - Então, só nos resta brindar!
ALBERTINA: - E você minha jovem o que diz?
ALVA: - Aninha esta feliz! Não é minha filha? Tão grande honra não.
BINÁ: - Com licença sinhá... O suco. (Serve)
ALVA: - Soubemos que o doutor advoga na capital.
RAMOS: - Pois é... Depois que regressei da Europa, onde conclui meus estudos, me estalei na capital e abri meu próprio escritório de advocacia.
ANINHA: -
ALBERTINA: - Ramos, sente-se muito sozinho na capital. E tendo ele uma vida estabilizada percebeu que chegou a hora de constituir sua própria família.
CLÓVIS: - E a senhorita?
ANINHA: - Eu? Que dizer? Se não... Encantada.
ALVA: - Aninha é tímida. Mas com o tempo o senhor Ramos perceberá a jóia de memina que é.
ALBERTINA: - Como se deu sua educação Ana?
ALVA: - Aninha foi educada pelos melhores professores particulares que há. Não é mesmo filha? Fala quatro idiomas fluentemente e é uma exinima pianista. Sem contar nos dotes que possui...
ALBERTINA: - Imagino que seja uma excelente aspirante a dona de casa.
ALVA: - Isto, eu, pessoalmente fiz questão de ensiná-la.
(Aninha sai um pouco Ramos a acompanha)
RAMOS: - Com licença...
ANINHA: - Fique a vontade.
RAMOS: - Ouvi muito falar de sua beleza... Mas não imaginava que fosse tanta.
ANINHA: - Obrigada, senhor.
RAMOS: - Ficaria feliz se ao menos esboçasse um sorriso... (Ela esforça um sorriso) Bem melhor assim. Realça mais com sua beleza.
ANINHA: - É melhor entrar. Não fica bem eu ficar aqui em companhia de um cavalheiro.
RAMOS: - Dá-me a honra? (Ela dá o braço ele a conduz)
BINÁ: - (Entra e cochicha no ouvido de Alva)
ALVA: - Obrigada, Biná. (Bina sai) Senhores... Senhora... O jantar já está servido.
CEL SALES: - Já estava na hora, não? Sem cerimônias...
ALVA: - Por aqui, por favor... (Saem)
CENA IX
QUILÊ: - Que vossuncê quê aqui?
SEVERINA: - Por que, num posso?
QUILÊ: - Num tô afim de conversa com vossuncê.
SEVERINA: - É uma pena. Sei de uma coisinha que vossuncê num sabe.
QUILÊ: - Num me interessa suas frutricas.
SEVERINA: - Mermo que seja de sua querida e amada sinhá Aninha?
QUILÊ: - Num envolva o nome de Aninha em tuas intrigas.
SEVERINA: - Ta maió festança lá na casa grande.
QUILÊ: - To sabeno.
SEVERINA: - Aposto que por isso ta bicudo.
QUILÊ: - Meta-se com tua vida.
SEVERINA: - É bonito! O tarzinho, filho do coroné... Dr Ramos, doutor. Bem apanhado mermo! E pelo que ouvi falá... Veio pra noiva com Sinhaninha.
QUILÊ: - Conversa!
SEVERINA: - Antes fosse! Pensou mermo que Sinhaninha é mulhé pra vossuncê?
QUILÊ: - E vossuncê ta se roendo de inveja. Que Aninha pode ter o homem que desejar e já vossuncê...
SEVERINA: - Quê arquer... Menos vossuncê. Vossuncê vai tê que se contentá com eu... Euzinha!
QUILÊ: - Isso nunca!
SEVERINA: - Ah, é? E vai querer cair nas garras do feitor? Se eu conto pro coisa ruim o que eu tô sabeno, Vai te levar pro tronco e vossuncê vai sangrar até a morte.
QUILÊ: - Por pié que seja o tronco, prefiro ele que vossuncê.
SEVERINA: - Ah, é? Egoísta. Num pensa no que pode acontece com Sinhaninha?
QUILÊ: - Se atreva e eu te mato.
SEVERINA: - Isto é... Se vossuncê num morrer antes. Escuta Quilê, se vossuncê num for meu, num será de ninguém. (Sai)
QUILÊ: - Ainda esgano essa criola. (Sai)

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