FACULDADE SUMARÉ
Disciplina: Psicologia do Desenvolvimento
Professora: Lisete Siqueira Ramalho
Aluno Pesquisador: Marcondys Ramos França Claudino
Curso: Pedagogia Turma: SPENMA-2010-2
Tema: História de Vida
Disciplina: Psicologia do Desenvolvimento
Professora: Lisete Siqueira Ramalho
Aluno Pesquisador: Marcondys Ramos França Claudino
Curso: Pedagogia Turma: SPENMA-2010-2
Tema: História de Vida
Depois de algumas semanas de muita conversas através do MSN, C.S.P resolve dar o seu depoimento com uma única exigência, que em hipótese alguma sua identidade seja revelada. Feito todos os acordos no dia 04/09/10 marcamos um encontro para debater como seria conduzida a entrevista. Senti que havia uma grande ansiedade da parte dele e o tranqüilizei reafirmando que jamais iria expor-lo. Dois dias depois nos reencontramos em uma praça de alimentação localizada em movimentado shoping. Após trocarmos algumas palavras, para descontrair pedi em suco enquanto C.S.P. optou por uma cerveja. Um dos momentos mais tensos foi quando puxei a câmera digital, ele ameaçou sair, então combinamos que apenas captaria a voz e que nenhuma imagem seria feita sobre hipótese alguma. Percebendo que o mesmo não se sentia a vontade o convidei para um outro local e como estratégia preferi que a entrevista rolasse como um bate papo, usando palavras chaves que o conduzisse naturalmente falar sobre sua vida.
Não houve grandes dificuldades de conduzir a entrevista, pois já havia alguns fatos que eu conhecia da vida do entrevistado por ele ter mencionado durante o papo virtual, e são estes fatos que compõem a historia de vida de C.S..P. que me incentivaram a escrever esta biografia.
Que espero com este trabalho é que todos aqueles que a estes escritos tenham acesso, possam se deliciar com uma história de uma pessoa comum, mas que muito tem de semelhante com tantos outros que a cada dia tem que lutar bravamente por um lugar ao sol, e que apesar de todas as dificuldades imposta pela vida, ainda encontra forças para continuar lutando e a cima de tudo sem deixar de sonhar.
“Vou começar falando da minha família... Bom, sou o quarto filho, o não esperado, por que não dizer o indesejado. É que minha mãe depois do terceiro filho operou e esta operação não deu certo. Mesmo sendo uma gravidez indesejada minha mãe queria que eu nascesse e em momento algum pensou em interromper. Então no dia cinco de novembro de mil novecentos e oitenta, cheguei a este mundo. Meu pai não aceitava o fato de minha mãe está grávida de forma alguma. Acreditava que o filho não era dele, que a minha mãe o tinha traído. Sei que é complicada essa história... (Pensativo) E até hoje minha mãe não soube explicar. Se ela era operada... Sei que não poderia engravidar, mesmo que tivesse traído o meu pai, a menos que ele fosse operado e ela tivesse saído com outro homem... Enfim, talvez nunca saberei o que realmente aconteceu. A única coisa que sei é o que minha mãe me contou. Claro que toda essa historia abalou a relação deles e ele claro, nunca me aceitou.
As lembranças que tenho da infância estão muito relacionadas a esta rejeição por parte do meu pai. Outra coisa marcante neste período foi o fato de aos doze anos eu presenciar a ruína da minha família... (Pausa) Meu pai perdeu a nossa casa numa mesa de jogo. Recordo-me que vivíamos super bem, tínhamos conforto e segurança. Mas um dia, fomos colocados pra fora de casa de uma maneira humilhante e triste. Pra nossa sorte, os meus avós maternos, tinham uma casa e nesta casa havia um quintal, lá foi construído um barraco onde nos estalamos. Só que meu pai bebia muito e maltratava bastante minha mãe. (Há uma pausa) Ele a espancava, e eu, cresci presenciando isto. Me dava uma tremenda revolta. Mas ele era meu pai. O que eu poderia fazer? Era criança e não sabia como agir. Era revoltante vê minha mãe trabalhando feito um camelo, fazendo faxina nas casas das pessoas, enquanto meu pai pegava todo dinheiro e desperdiçava em jogo de apostas. E muitas vezes dentro de casa nos faltava até o básico. Por causa dele chegamos a passar fome por diversas vezes. Como isso não bastasse, ele tinha outra mulher e foi embora com ela pro Piauí, desde então nunca mais o vimos. Bom seria que esta historia terminasse aqui, mas depois de doze anos, ele aparece em minha vida e acreditava que eu seria o filho, que ao vê-lo, iria abraçá-lo, chamá-lo de senhor... De pai. (Tristeza) Que eu... Faria uma festa! (Riso nervoso) A sorte dele é que um dos meus irmãos o acolheu. Por mim... (Revolta) Nem olhava na cara dele. Olha, aquele amor entre filho e pai, eu não tenho por ele. (Lágrimas) Um cara que desapareceu por doze anos da minha vida... Pra mim não é nada. Tanto faz está dentro da minha casa ou não, não faz nenhuma diferença. É como se fosse um estranho. Só o comprimento com: bom dia, boa tarde ou boa noite... Por que sou educado. E essa educação... Agradeço a minha mãe. Foi assim que ela me ensinou.
A escola apareceu na minha vida um pouco tarde, pois, minha mãe não tinha tempo pra me levar ao colégio. Coitada! Trabalhava muito. Recordo-me que fui uma criança levada, bagunçava muito, porém, tinha boas notas. Nunca levei bomba. Não repeti nenhum ano. (Rir com satisfação) Porém só houve alguns anos que tive que ficar fora da escola por causa dessa falta de tempo da minha mãe e também por não haver ninguém que me levasse pra escola.
Nestas idas e vindas aos dezoito anos larguei de vez a escola por me envolver com drogas. (Demonstra frustração) Tudo começou numa balada gls, lá estava um pessoal puxando um fumo, maconha, eu dei uns tragos. Quer saber? Não gostei muito. (Faz careta) Esse foi o primeiro contato. Depois disso continuei a fumar no meu bairro. Então quando percebi já estava viciado. A maconha eu fumei por uns dois meses e juro... Não gostei. Então parti para a cocaína. Sei que foi precoce. Mas não parou por ai, não. Junto com a cocaína veio o vício pelas bebidas e o cigarro. Éramos uma galerinha: eu, minha irmã, minha prima, e uns amigos. Minha mãe achava que agente estava de zoeira, não desconfiava que agente estivesse utilizando drogas. Quando ela desconfiava, eu dizia que tinha bebido só um pouquinho... E quando o cheiro era da maconha, a estratégia era dizer que alguém fumou perto de mim e o cheiro ficou na minha roupa.
Olha, a cocaína eu usei bastante. Só que a cocaína utilizada nas baladas não apresentam tanto efeito quando estamos lá, por que você vai dançar, vai suar e parece que o efeito não é tão visível, é como o teu corpo a eliminasse junto ao suor. Que saber... Muitas vezes agente nem sente direito o efeito dela. A única coisa que sei... É que dá um barato muito louco! Só é diferente quando agente utiliza em casa. Dá aquela sensação que você está o tempo todo ligado, aquela impressão que está sendo seguido... Vigiado... Uma tremenda nóia. Depois que passa o efeito, fica é uma sensação de vazio, uma tristeza imensa, uma tremenda depressão. Dá aquele nó na garganta... Uma vontade de chorar, sumir, morrer. Sabe, é uma sensação horrível.
Nesse período fui morar com uma amiga e ela era garota de programa, vendia o corpo para manter o vício. E com o dinheiro que conseguia me mandava sempre na bocada comprar a droga pra nós dois. Não tinha medo. Conhecia a todos lá da bocada. Tinha um bom relacionamento com todos. Graças a Deus nunca precisei roubar pra comprar drogas. (Parece preocupado com meu julgamento) Ela, essa minha amiga, era oito anos mais velha que eu e com o dinheiro de seus programas mantinha nosso vício. Acho que já disse isso antes... (Respira profundamente) Pelo que eu me lembre, só tirei do meu bolso dinheiro umas cinco vezes para comprar drogas.
Tenho muita sorte de nunca ter sido pego pela polícia, ter sido fichado, mesmo por que eu conhecia os policiais. Das vezes que fui pego eles me diziam que iam me dar uns tapas... (Risos) Por que isso não era vida pra mim. E depois de apanhar iriam me entregar na porta da minha casa. (Neste momento ele pareceu omitir algo importante que não se sentia a vontade de falar)
Apesar de está viciado, nunca cheguei ao ponto de ficar desesperado por causa do vício. Já minha irmã que é mais velha que eu, tem vinte e oito, não teve a mesma sorte. Infelizmente experimentou o craque e sua vida foi destruída, abandonou a família, o marido, os filhos e sumiu pelo mundo. Nós não sabemos por onde anda. Nem ao menos sabemos se está viva.
Essa coisa da droga ficou mais intensa quando minha mãe nos deixou sozinhos em casa e foi morar com um namorado... Ela só aparecia pra nos vê nos finais de semana. Ai você já sabe. As drogas e as bebidas corriam soltas antes dela vir. Agente sobrevivia financeiramente com o dom que minha irmã tinha de convencer os homens a contribuir... (Risos) E olha que muitas vezes ela nem precisava ir par cama. Era só usar a lábia. (Há uma certa malícia no seu tom de voz) Como morava eu, ela e minha prima que também era boa de xaveco, e assim, levávamos a vida.
Não sei por que, mas comecei a me afastar... E minha irmã conheceu um cara, e este homem apresentou a ela o craque. Descobri por acaso, uma noite cheguei do trabalho, trampava como garçom de um Buffet. Lá estavam eles: um amigo, minha irmã, esse cara com quem estava namorando e minha prima, todos trancados no banheiro. Foi então que descobri que estavam usando o craque. Me ofereceram. Então eu disse: “Isso eu não quero. Não é pra mim”. Um cheiro horrível! Graças a Deus nunca usei essa droga. Se não talvez nem etária aqui contando a minha história. (Pausa. Toma um gole de cerveja)
Nesse período que eu usei drogas fiquei sem namorar. É que eu não tinha paciência. Não rolava. Só transa.
O que me fez parar com as drogas é que um dia eu cherei tanto, mas tanto... Que passei mal. Então eu mesmo liguei pra ambulância e fui parar no hospital. Estava mal pra caramba. Pensei que ia morrer. Sentia um aperto no coração, parecia com um enfarto. Chegando lá bateram um eletrocardiograma. Então o médico chegou pra mim e me perguntou: “Você que viver ou morrer?” Então eu perguntei: “Por que?” E ele me respondeu: “Você tem ritmia cárdia. Se continuar a usar drogas vai morrer.”
Foi quando eu parei. Pensei... Me olhei no espelho e lembrei: eu um cara que adorava praia, vaidoso, bonito... (Lágrimas) Estava ficando: seco, pálido, com os olhos fundos, barbudo, cabelos mal tratados... Me vendo ao espelho não me reconhecia. É como se aquela imagem diante do espelho não fosse a minha.
Foi então que me decidi. Não vou continuar com isso. Deus me deu uma chance e não vou desperdiçar. A partir daí a minha vida deu uma guinada. E já fazem dois anos e maio que estou limpinho (Brinca).
Reconheço que perdi muitas oportunidades na vida por causa das drogas. Pra ter uma idéia, fiz uma seleção para trabalhar num cruzeiro e devido as conseqüências das drogas não pude trabalhar, pois foi detectado o problema no meu coração.
Mas agora eu estou correndo atrás do tempo perdido. Sei que ele não volta mais, creio que o que importa é daqui pra frente. E garanto que farei o que for preciso.
Em relação a minha sexualidade, na adolescência, pra mim acho que não teve nada de estranho, assim... Com homem, pra mim acho que foi uma coisa normal. Não foi agressivo. Não me senti violando meu corpo. Era o momento, entende? Eu já sabia que era gay... Me ligava em coisas de menina: vestidos, bonecas, ursinhos... Essas coisas! Engraçado que na infância, embora me identificasse com coisas de menina, eu não sabia ao certo, não tinha a clareza, mas, me sentia diferente. Sabe que minha família achava o meu comportamento natural? Recordo-me que eu e minha prima, que tínhamos a mesma idade, brincávamos juntos... (Risos) Brincávamos de casinha... Papai e mamãe... (Risos) Só que acabávamos brigando... (Risos) É que eu queria ser a mamãe. Nesse período não sabia o que queria da vida. Ainda não tinha a personalidade formada. É engraçado, né? (Pausa) Creio que só tive realmente noção das coisas aos treze anos de idade. Foi nessa mesma época que tive a minha primeira transa... Com um garoto, este menino era um ano mais velho que eu. Não foi nada tão intenso... (Risos) Mas era legal, porém sem grandes emoções. Coisas de criança! (Risos) A coisa só ficou boa quando transei com o irmão dele. Ai o bicho pegou... (Risos) E pegou mesmo. Ele era mais velho, tinha uns dezoito anos... (Risos) Foi com ele que perdi a virgindade. Por que pra mim só perde a virgindade quando sangra... (Risos) E eu sangrei. Pra dedéu, cara! Então pensei... Caramba! Perdi o... (Risos) Veja bem que engraçado... (Desvia o olhar) Tudo aconteceu no banheiro da casa dele. Eu sangrando... De repente chega a família dele e não tínhamos como sair. Imagina o pânico! Se alguém pega agente. E eu lá... Sem minha virgindade. O medo de ser visto... Meu, era uma coisa louca. Não sabe o apuro que passei. Pra nossa sorte, na rua, ocorreu uma briga, todos os parentes dele saíram para ver... Foi então que aproveitamos e saímos. (Respira profundamente) Foi por pouco. Salvos pelo gongo! (Risos). Depois deste dia soube o que realmente queria e, eu e ele, nos encontramos constantemente, então a ficha caiu... Tive a certeza o que eu era, homossexual.
Todos me perguntam se já tive um lance com mulher. Sempre conto a mesma história... Houve sim um rolo com minha prima. Sempre fui apaixonado por ela, uma negra linda. E ela também é louca por mim. Mesmo sabendo da minha opção sexual ela garante que esta a minha espera e afirma que se um dia eu mudar de lado, ou seja, deixe de ser gay, embora eu não acredite em ex gay, estará me esperando. Quer saber? Com ela eu me casaria. Como seria minha relação com ela?... Olha, nossa relação seria de muito carinho, beijos, amassos... Pois me agrada pensar nisso. Entre nós nunca rolou nada, assim... Tipo... Penetração... Mas ela sempre me disse que o que sente por mim é além do sexo. E eu acredito. Acho que o respeito é maior que qualquer coisa. Lógico que sei que se eu me decida por ficar com ela, assumir um compromisso, vou respeitá-la. Olha que será difícil uma vez que, sei que sentirei tesão por outros caras. Isso é uma coisa que não dá pra controlar. É maior que eu.
Já quando minha família soube sobre minha sexualidade, agiu com naturalidade, para eles era comum conviver com este fato, esse mundo gay já estava inserido em minha casa. Mesmo porque minha tia era considerada em minha cidade a rainha gay. Então cresci convivendo com essas pessoas, os mesmos freqüentavam também a casa da minha avó, mas creio que isso não influenciou na minha orientação sexual. Percebia que minha tia evitava que eles, os gays, principalmente os travestis, freqüentassem a casa quando nós, crianças, estávamos por lá. Mas independente disso, isso estava em mim, e eles, coitados... Não tinham nada com isso, com essa minha escolha de vida. E é engraçado, esse universo me parecia mágico, me encantava. Eu até já me transvesti. Foi muito bacana. Durante uma festa numa boate, ia acontecer um show, e uma das drags faltou. (Risos) Uma das transformistas me vestiu, maquiou e eu entrei em cena. Subi no palco é foi um barato. A sensação de sentir o gostinho do sucesso foi para mim incrível. Só que percebi... (Pausa) Que isso não era pra mim. A vida dessas pessoas... Dos travestir, são muito inconstantes. Vazias, sem sentido. Que futuro poderia ter levando uma vida dessas? Só há dois caminhos para a maioria dos travestir. Fazer programas, ou seja, se prostituir, ou então ficar a noite inteira na porta de uma boate sendo uma hosters e essas coisas eu não queria pra mim.
Olha, já quanto ao meu primeiro amor... Amor de verdade... Eu considero o carinha de dezoito anos. Eu acredito que amor verdadeiro é aquele que agente não esquece. Por ele eu me apaixonei, gamei. Entende? E até hoje quando agente se encontra, pinta aquela atração. Então não há outro jeito a não ser... Ficar juntos. Claro, tudo muito escondido. Hoje ele é casado, tem uma filha... Pena que se tornou traficante, até já puxou cadeia. É uma pena que agente não possa assumir um relacionamento sério. Pra ele sou apenas um corpo para sua satisfação. Mas enfim... Enquanto for bom para ambos...
Nesses últimos tempos muita coisa tem mudado em minha cabeça. Hoje não sou mais o mesmo, já estou com 23 anos e parece que tomei juízo. Quero agora terminar meus estudos, que larguei por causa do meu envolvimento com as drogas. (Pensativo) Um período que me recordo com muita tristeza. Parei aos quatorze anos, estava no sexto ano do colegial e confesso que foi uma burrada. Só que na época pensava diferente, tudo era oba-obá. Mas agora vejo que perdi, e tento recuperar o tempo perdido. Voltei a estudar e pretendo terminar. Não me envergonho de está fazendo um supletivo e acredito que vou me formar. Quero ser psicólogo. Acredito que essa vontade vem do desejo de entender melhor as pessoas e poder ajudá-las. Sinto que tenho o dom de compreender o ser humano. É engraçado... Só não consigo entender direito o que se passa comigo mesmo. Por que será que entender a si próprio é tão difícil? Estranho, né? Embora tenha uma amiga que é psicóloga e entende perfeitamente as pessoas, mas quando o assunto é ela... É mais perdida que cego em meio a um tiroteio. (Risos). Acho todo psicólogo meio louco.
Estou naquela fase de recomeço... Entende? E sei que começar por cima... Só se for me prostituindo. (Risos) Então tenho que começar por baixo, acredito que todo trabalho é digno. Não tenho vergonha... Sei que é hora de correr atrás do prejuízo e hoje meu maior objetivo é me formar e construir uma vida digna ao lado de um cara bacana pra dividir as alegrias e também as dificuldades da vida. Sei que sou uma boa pessoa, que tenho muito amor pra dar, a única coisa que desejo neste momento é ter sabedoria para identificar as boas oportunidades sem desperdiçá-las”.
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