agosto 11, 2017

A PILULA FALANTE

Texto: Monteiro Lobato

Adaptação: Marcondys França

PERSONAGENS:

EMÍLIA (Boneca de Pano)
NARIZINHO
PEDRINHO (Primo de Narizinho)
DONA BENTA (Avó de Narizinho e Pedrinho)
ANASTÁCIA (Criada)
DOUTOR CARAMUJO
SAPO
DOUTOR CARAMUJO
SIRIGUEJO

Peça em um ato

NARIZINHO:
- Vamos, vamos Emília... Temos que nos apressar! O quanto antes chegarmos, melhor. Afinal, daqui até o reino das águas claras é uma boa caminhada. Anda Emília, apresse-se! Vamos...

PEDRINHO:
- Pra onde vão com tanta pressa?

NARIZINHO:
- Vamos para o Reino das Águas Claras!

PEDRINHO:
- Pro Reino das Águas Claras?

NARIZINHO:
- É. Doutor Caramujo nos espera.

PEDRINHO:
- Que vão fazer lá?


NARIZINHO:
- Vou te contar mais antes tem que me prometer que irá guardar segredo.

PEDRINHO:
- Não direi nada. Palavra de escoteiro!

NARIZINHO:
- Vou levar Emília ao doutor Caramujo. É que ele tem uma pílula milagrosa.

PEDRINHO:
- Pílula milagrosa?

NARIZINHO:
- É. É uma pílula falante.

PEDRINHO:
- Pílula falante?

NARIZINHO:
- Assim que a Emília tomar esta pílula, como num passe de mágica, ela irá falar.

PEDRINHO:
- Como isso é possível?

NARIZINHO:
- É só usar a imaginação! Quando aprendemos a ouvir o coração e desejamos o bem. Todos nossos sonhos podem se realizar. Agora vamos Emília... Ah! Não esqueça Pedrinho... Guarde o segredo. (sai)

PEDRINHO:
- Ih! Quando a vovó Benta souber... Hum! Bem que Narizinho podia ter deixado eu ir. Eu as defenderia com meu estilingue. Ah! Devi ser uma aventura e tanto. Bem melhor do que tirar o gorro do Saci! (sai)

(No Reino das Águas Claras)


DOUTOR CARAMUJO:
- Por mil tubarões! Isto não é possível! Como pode ser?

NARIZINHO:
- O que há doutor Caramujo?

DOUTOR CARAMUJO: - O que há? O que há? É ai que está... Não há.

NARIZINHO:
- Não compreendo.

DOUTOR CARAMUJO:
- Há! É que encontrei meu deposito de medicamentos raros saqueados. Veja! Furtaram todas as pílulas deste recipiente. Todas!

NARIZINHO:
- Que maçada!

DOUTOR CARAMUJO:
- Isto me tira do sério! Não sabe como...

NARIZINHO:
- Mas será que o senhor não poderia fabricar outras?

DOUTOR CARAMUJO:
- Fabricar outras?



NARIZINHO:
- Se quiser posso lhe ajudar... O senhor tem a formula, não tem?

DOUTOR CARAMUJO:
- Impossível minha menina! Só quem tinha a formula era o boticário, o senhor Besouro que já morreu.

NARIZINHO:
- Então está formula existe e deve está guardada em algum lugar. Podemos organizar uma busca. Posso pedir ajuda do Pedrinho, do Rabicó e também do Visconde se Sabugosa.

DOUTOR CARAMUJO:
- Infelizmente não será possível. O boticário nunca revelou a formula. Quando morreu levou com ele o segredo.

NARIZINHO:
- Ah, Que pena! E agora? Que farei? Pobre Emília!

DOUTOR CARAMUJO:
- Só restava um cento de mil destas pílulas que comprei dos herdeiros.

NARIZINHO:
- Pobre Emília! Tinha tanto a esperança de ouvi-la falar.

DOUTOR CARAMUJO:
- O miserável ladrão só deixou uma.

NARIZINHO:
- Que boa notícia! Então com esta pílula a Emília poderá falar.

DOUTOR CARAMUJO:
- É imprópria para curar a Emília.

NARIZINHO:
- Mas por quê?

DOUTOR CARAMUJO:
- Por que a que ficou não é a pílula falante.

NARIZINHO:
- Ah! Que pena! E agora?

DOUTOR CARAMUJO:
- Agora só há um jeito.

NARIZINHO:
- Qual?

DOUTOR CARAMUJO:
- Fazendo uma certa operação. Abrindo a garganta da boneca Emília e colocando dentro uma falinha. (Pega uma faca e começa amolar)

NARIZINHO:
- E não é perigoso?

DOUTOR CARAMUJO:
- Não, não, não... Tudo providenciado. Siriguejo?

SIRIGUEJO:
- Doutor?

DOUTOR CARAMUJO:
- Traga a experiência... (Houve o barulho do papagaio se debatendo)

NARIZINHO:
- Que barulho foi esse doutor?

DOUTOR CARAMUJO:
- Não se assuste minha menina. É o papagaio que vem vindo...

NARIZINHO:
- Papagaio? Mas que papagaio? Que vai fazer com este papagaio?

DOUTOR CARAMUJO:
- É que como não temos mais as pílulas falantes. Mandei capturar um papagaio falador. Assim posso extrair a falinha dele para por na sua boneca.

NARIZINHO:
- Não. Isto não! Ó papagaio é um ser vivo. E não devemos matar! Não está certo. Vovó me ensinou a respeita a natureza e os animais. 

DOUTOR CARAMUJO:
- Mas não deseja que a boneca fale?
NARIZINHO: - Não desta forma. Não podemos sacrificar o pobre papagaio. Assim não quero! Prefiro que a Emília fique muda.

SIRIGUEJO:
- Doutor, aqui esta a ave...

PAPAGAIO:
- Socorro! Socorro!

SIRIGUEJO:
- Não adianta resistir. Está dominada sua ave escandalosa.

PAPAGAIO:
- Solte-me! Solte-me... Seu brutamonte!

SIRIGUEJO:
- Devo amarra-lhe o bico doutor Caramujo?
NARIZINHO: - Parem! Deixe-o em paz! Não admito que judiem dele.

PAPAGAIO:
- Obrigado menina. Me solte!

SIRIGUEJO:
- Hei! Calminha aí. (Amarra o bico do papagaio)

NARIZINHO:
- Solte-o. Onde já se viu... Maltratar uma pobre ave! Sabia que a maioria destas aves está em extinção? Graça a ação covarde de homens como você. Deveria se envergonhar. (Desamarra o papagaio)

PAPAGAIO:
- Obrigado menina!

NARIZINHO:
- Meu nome é Lúcia, mas todos me chamam de Narizinho. (Música de Narizinho)

PAPAGAIO:
- Bravo! Que bela voz. E obrigado por me defender.
NARIZINHO: - Não precisa agradecer. Apenas fiz o que é certo. Agora vá e continue enfeitado a nossa floresta com sua beleza!

PAPAGAIO:
- Adeus Narizinho! Adeus! (Voa. Siriguejo sai)

NARIZINHO:
- Adeus! E sempre que puder nos faça uma visita no Sítio do Pica-Pau Amarelo!
DOUTOR CARAMUJO:
- Agora estamos sem pílulas, sem papagaio... Não há mais o que ser feito para curar a mudez de sua boneca Emília.

NARIZINHO:
- Posso tentar o pó de pirlimpimpim!

DOUTOR CARAMUJO:
- O pó mágico de pirlimpimpim não serve para esta finalidade.

SIRIGUEJO:
- Doutor! Doutor... 

DOUTOR CARAMUJO:
- Sim? Calma... Respire. Isto! Agora fale.

SIRIGUEJO:
- Achamos um suspeito de saquear seu estoque de pílulas.

DOUTOR CARAMUJO:
- Verdade? Então o que está esperando... Traga-o.

SIRIGUEJO:
- Sim senhor doutor! (Sai)

DOUTOR CARAMUJO:
- Enfim uma nova esperança!

NARIZINHO:
- Tomara!

SIRIGUEJO:
- Aqui está o suspeito.

NARIZINHO:
- É um sapo.
SIRIGUEJO:
- Olhe a barriga dele.

NARIZINHO:
- Está estufada.

DOUTOR CARAMUJO:
- Vamos vê o que tem aqui. 

SIRIGUEJO:
- É muito suspeito douto!

DOUTOR CARAMUJO:
- Parece que andou comendo mais que devia! Ou será o que não devia?

SAPO:
- Sou inocente doutor!

DOUTOR CARAMUJO:
- Como é que é?

NARIZINHO:
- Um sapo que fala?

SAPO:
- Digo: Crock, crock!

SIRIGUEJO:
- Não adianta disfarçar... Sabemos que fala.

DOUTOR CARAMUJO:
- O que tem a dizer em sua defesa, nobre senhor sapo?
SAPO: - Sou inocente! Juro que sou! É só uma indigestão este estufa mento em minha barriga.


DOUTOR CARAMUJO:
- E o que engoliu?

SAPO:
- Não se ao certo.

DOUTOR CARAMUJO:
- Então vamos examinar e descobrir o que lhe causou tamanha indigestão. (Retira do sapo um saquinho com pílulas)

NARIZINHO:
- Veja! São pílulas.

DOUTOR CARAMUJO:
- Algumas de minhas raras pílulas.

NARIZINHO:
- Como foram parar na barriga dele?

DOUTOR CARAMUJO:
- Não desconfia? Até que enfim reencontrei minhas pílulas. Sem elas eu estaria arruinado! Não mais me aceitariam como médico oficial da corte.

NARIZINHO:
- Então, agora podemos curar a Emília doutor Caramujo?

DOUTOR CARAMUJO:
- Claro! Agora sim. Temos as pílulas falantes! Mas antes, preciso medicar este sapo comilão e deixá-lo em repouso. Engula. (dar uma pílula) Leve-o Siriguejo. E olho nele. (Siriguejo sai com o sapo) Traga Emília aqui.

NARIZINHO:
- Vem Emília...


DOUTOR CARAMUJO:
- Abra a boca. (Emília faz pirraça)

NARIZINHO:
- Vamos Emília, abra. (Emília faz pirraça)

DOUTOR CARAMUJO:
- Abra... (Emília faz pirraça)

NARIZINHO:
- Abra a boca! (zangada. Dar um beliscão, Emília abre o doutor enfia a pílula)

DOUTOR CARAMUJO:
- Engula! (Emília engole. Música da Emília)

EMÍLIA:
- Ah! Que gosto horrível de sapo na minha boca! Vamos, vamos, vamos... Tirem esse barrigudo daqui! Há! Que horror! Precisam redecorar este lugar. Achei a decoração deste consultório muito cafona! 

NARIZINHO:
- Emília?

EMÍLIA:
- Passei a vida inteira muda. Agora que posso falar me repreende? Eu hein! Só estou dando a minha opinião. Quer saber? Estou tão feliz que sinto ate vontade de cantar... (Cantar um trecho de ópera)

NARIZINHO:
- Não há um a pílula mais fraca doutor Caramujo? Quem sabe assim ela não fala menos.



DOUTOR CARAMUJO:
- Não se preocupe Narizinho. Não será preciso. Deixe-a falar ate cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente.

NARIZINHO:
- Ih! Até lá então...

DOUTOR CARAMUJO:
- Isto é fala recolhida.

EMÍLIA:
- Oh, doutor cara de coruja...

NARIZINHO:
- Doutor Caramujo Emília.

EMÍLIA:
- Doutor cara de coruja, corujussima, aproveitou teu beslitão e me empurrou aquela pírula.

NARIZINHO:
- É belisccão. E não é pírula, é pílula.
DOUTOR CARAMUJO: - Com o tempo ela ajusta a fala.

DONA BENTA:
- Narizinho...

NARIZINHO:
- É a Vovó Benta chamando! Precisamos voltar. Até logo doutor Caramujo. Vamos Emília... 

EMÍLIA:
- Mas já? Ainda não disse tudo que penso...
NARIZINHO: - Não seja indelicada Emília. Se despeça do doutor...

EMÍLIA:
- Tchau! Cara de coruja!

NARIZINHO:
- Emília. Tchau doutor! Muito obrigada! (segura a mão de Emília e tira um pozinho) Pirlimpimpim! 

DOUTOR CARAMUJO:
- Foi um prazer! (saem)

DONA BENTA:
- Por onde andava? Já estava preocupada.

EMÍLIA:
- A culpa é dela, dona Benta. Narizinho me fez ficar por horas na companhia daquele doutor cara de coruja.

DONA BENTA:
- (Assustada) Mas como é possível? Emília está falando.

EMÍLIA:
- Grande coisa!

NARIZINHO:
- Emília.

DONA BENTA:
- Como pode ser isso? Anastácia! Anastácia... Corra aqui. Venha vê este fenômeno!

ANASTÁCIA:
- Que é sinhá?

DONA BENTA:
- A boneca de Narizinho está falando.


ANASTÁCIA:
- (rir) Impossível sinhá!

DONA BENTA:
- Não... Não é. Ouvi.

ANASTÁCIA:
- Agora seja! Impressão sua sinhá. Onde já se viu uma boneca de pano que fala de verdade?

DONA BENTA:
- Estou dizendo!

ANASTÁCIA:
- É coisa de narizinho. Tá magando da senhora. Só o que faltava! Uma boneca falante no Sítio do Pica Pau Amarelo.

EMÍLIA:
- É isso mesmo! Uma boneca falante bem aqui. E bem falante!

ANASTÁCIA:
- Minha Nossa Senhora! Que isso?
EMÍLIA: - Falo sim. E hei de falar ainda mais! Eu não falava por que era muda, mas o doutor cara de coruja me deu uma pequena pílula que engoli e vou falar pra sempre.

ANASTÁCIA:
- Uai! Que diacho é isso? Não é que fala mesmo! Fala que nem gente! Credo! (benze) O mundo está perdido! Até parece assombração. (passa mal)

PEDRINHO:
- Então Emília esta falando! Que legal! Narizinho então você conseguiu. Deixa só o Visconde Sabugosa saber disso!
ANASTÁCIA: - Estou até sentindo um troço.
DONA BENTA: - Calma Anastácia. Deve haver uma explicação para este fenômeno.
NARIZINHO:
- Tudo isso graças a pílula falante que o doutor Caramujo deu a Emília.

EMÍLIA:
- É. Agora eu falo!

NARIZINHO:
- E como.

EMÍLIA:
- Também canto. Querem ouvi?

NARIZINHO:
- Melhor não.

ANASTÁCIA:
- Sinhá... Não estou muito bem.

DONA BENTA:
- É melhor tomar um chá. Quer saber vou com você. Também preciso de um chazinho!

EMÍLIA:
- Quer ouvi a música que aprendi? (Narizinho tapa os ouvidos e sai)

(Todos entram e cantam a música Lindo Balão Azul)

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