ÍNDOLE
De: Marcondys França
PERSONAGENS:
JOAQUIM
APARECIDA.........................................................................................Mulher de Joaquim
CONCEIÇÃO.............................................................................................Mãe de Joaquim
HENRIQUE.............................................................................................Irmão de Joaquim
SORAYA.............................................................................................Vizinha de Conceição
JEGÃO.....................................................................................................Amigo de Joaquim
(A estória se passa entre o apartamento de Henrique na zona sul e o Morro Alegre (nome fictício) subúrbio carioca. Joaquim acusado de roubo cumpriu pena numa penitenciária).
I ATO
CENA I
(Apto de Henrique. Estão na cama)
HENRIQUE: - O que houve com você hoje Cida? Quase não falou.
APARECIDA: - Preocupação.
HENRIQUE:- O que está lhe preocupando? Minha gata selvagem!
APARECIDA: - Quim.
HENRIQUE: - Há, não! Esse assunto novamente, não... Ninguém merece!
APARECIDA: - Henrique, que quer que eu faça? Finja que está tudo bem? Poxa! Quim está saindo daquele lugar e logo estará em casa.
HENRIQUE: - O que lhe preocupa?
APARECIDA: - Como o que me preocupa?
HENRIQUE: - Que lhe incomoda tanto?
APARECIDA: - Nossa situação.
HENRIQUE: - Pensei que já estivesse resolvida!
APARECIDA: - Como assim?
HENRIQUE: - Cansei de ouvir você sussurrar em meus ouvidos enquanto fazíamos amor, me amar!
APARECIDA: - E não menti.
HENRIQUE: - Seu comportamento me faz duvidar.
APARECIDA: - Não coloque em dúvida minhas palavras...
HENRIQUE: - Ás vezes acho que fica dividida... Sem saber se fica com o homem que pode fazê-la realmente feliz, suprindo todas suas necessidades afetivas e financeiras ou um marginal que só a faz sofrer. Quim nada pode lhe oferecer a não ser compartilhar com ele o fracasso!
APARECIDA: - Acredito na inocência dele.
HENRIQUE: - Bravo! Bravo! Agora vai dar uma de advogada do diabo!
APARECIDA: - É teu irmão! Deveria está do lado dele.
HENRIQUE: - É um mau caráter. Um bandido! Estou do lado da justiça, da verdade. Não me importa o grau de parentesco... Bandido é bandido. Errou tem que pagar. A justiça tem que ser aplicada mesmo que este bandido seja meu irmão.
APARECIDA: - Já pagou o preço.
HENRIQUE: - Deveria ficar lá pelo resto da vida! Pena perpétua.
APARECIDA: - Pena perpétua? Já se passou por sua cabeça que ele pode realmente ser inocente?
HENRIQUE: - Se fosse inocente não teria sido condenado.
APARECIDA: - Não acredito que estou ouvindo isso. Quantos inocentes não são condenados injustamente!
HENRIQUE: - Hei? De que lado você está?
APARECIDA: - Claro que estou do seu lado. Mas, coloco a mão no fogo... Tenho certeza que teu irmão é inocente.
HENRIQUE: - Joaquim não é e nunca foi santo! E quer saber... Se prepara, ele nunca vai lhe perdoar por está com o irmão dele.
APARECIDA: - É disso que tenho medo. Só de pensar... Vai perder a cabeça!
HENRIQUE: - Voltar pra onde nunca deveria ter saído. Isso provaria que ele não está apto ao convívio social.
APARECIDA: - Acho melhor dá um tempo!
HENRIQUE: - Um tempo? Estou cansado de ter que te amar as escondidas. Escuta Cida, te amo e, você me ama... Isso que importa.
APARECIDA: - Não podemos continuar. È loucura! Não consigo construir minha felicidade em cima da infelicidade do teu irmão.
HENRIQUE: - Está querendo dizer que pra não ver meu irmão infeliz... Devo abdicar da minha própria felicidade. Que coisa mais linda!
APARECIDA: - Não. Não é isso...
HENRIQUE: - Então? O que é?
APARECIDA: - Me dá um tempo... E quando for o momento certo conto tudo ao Quim.
HENRIQUE: - Não. Já teve muito tempo! Só teu amor não me satisfaz mais. Quero tê-la aqui, ao meu lado como minha mulher.
APARECIDA: - Ás vezes me mete medo.
HENRIQUE: - Se tem medo é porque não se sente segura.
APARECIDA: - Ás vezes tenho a sensação que está querendo sempre competir com teu irmão. E que eu sou o troféu!
HENRIQUE: - Não seja tola.
APARECIDA: - Me sinto no meio de uma guerra e que em meio s este fogo cruzado eu serei a mais ferida.
HENRIQUE: - Não se estiver do meu lado. Nesta guerra se preciso for usarei todas as armas disponíveis. Tudo isso pra defender nosso amor!
APARECIDA: - Se me ama realmente se coloque em meu lugar.
HENRIQUE: - O quer de mim?
APARECIDA: - Apenas lhe peço um tempo para que eu possa resolver isso de uma maneira menos dolorosa.
HENRIQUE: - Como prova de amor e confiança... Vou lhe dar um tempo. Espero que neste tempo você consiga dizer ao Quim o que sentimos um pelo outro.
APARECIDA: - Confie em mim. Vamos fazer as coisas da forma correta. Será melhor para todos. E não digo isso por mim ou por você ou até mesmo por ele... Mas pelas crianças.
HENRIQUE: - Está certo. Você pedirá o divórcio e o mais breve nos casaremos. Sabe por quê?
APARECIDA: - Por quê?
HENRIQUE: - Por que não agüento mais ficar longe de você.
APARECIDA: - Mentiroso! Aposto que tem um monte de vadias dando em cima de você.
HENRIQUE: - Com vadias agente se diverte enquanto a mulher que queremos não se decide...
APARECIDA: - Olha que sou ciumenta!
HENRIQUE: - É?
APARECIDA: - Você não viu nada! Se souber que está me traindo com uma dessas vagaba... Faço uma destruição no rosto dela. Te garanto que vai ficar irreconhecível!
HENRIQUE: - Que mulher cruel! Então vem cá minha fera...
APARECIDA: - Não...
HENRIQUE: - Vem...
APARECIDA: - Me solta.
HENRIQUE: - Minha cadela!
APARECIDA: - Meu cachorrão!
HENRIQUE: - Você é de quem? De quem? Fala...
APARECIDA: - Tua.
HENRIQUE: - Só minha?
APARECIDA: - Só tua.
HENRIQUE: - Do que tu gosta cachorra? Hein?
APARECIDA: - Não sabe?
HENRIQUE: - Sei... Mas diz... Quero ouvir.
APARECIDA: - Me bate. Me bate meu macho...
HENRIQUE: - Tu gostas?
APARECIDA: - Muito.
HENRIQUE: - Cachorra! Gosta?
APARECIDA: -Muito. Na cara!
HENRIQUE: - Toma.
APARECIDA: - Mais forte! (Ele bate) Me bate mais meu homem! Meu macho!
HENRIQUE: - Assim?
APARECIDA: - Assim! Mais forte! Me pega de jeito... Com força! Me possui. Assim... (Ele rasga a roupa dela e faz amor)
CENA II
(Morro Alegre, casa de Dona Conceição)
SORAYA: - Muito bom dia dona Ceição!
CONCEIÇÃO: - Bom dia!
SORAYA: - Nossa! Mas que bom dia mais Chocho.
CONCEIÇÃO: - É o único que tenho no momento minha filha.
SORAYA: - Pois deveria está radiante! E de preferência pulando de um pé só.
CONCEIÇÃO: - Quem me dera...
SORAYA: - Hei! Calma aí... Peraí. Não estou entendendo... Especialmente hoje. Em seu lugar qualquer mãe estaria numa felicidade contagiante.
CONCEIÇÃO: - Acontece que sou qualquer mãe e também não estou radiante.
SORAYA: - Que não seja qualquer mãe, eu entendo. Mas não estou feliz... É um pouco difícil de entender.
CONCEIÇÃO: - Diz isso por que não é mãe. E não sendo mãe é mesmo difícil de compreender! Só sendo mãe pra saber o que se passa no coração de uma.
SORAYA: - Peraí... Qual mãe não gostaria de ter de volta a seu convívio o filho que estava lá, naquele buraco, preso feito um animal, ao lado daquela gente perigosa?
CONCEIÇÃO: -Não é que eu não queira que meu filho saia daquele inferno. Deus sabe o quanto rezei!
SORAYA: - Então?
CONCEIÇÃO: - Mas é que agora que sei que vai sair... Me bate um medo.
SORAYA: - Medo? Mas medo de que meu Deus!
CONCEIÇÃO: - É como se lá ele estivesse mais protegido. Entende?
SORAYA: - Não. Sinceramente não! A única coisa que sei é que o Quim vai precisar de muita força para recomeçar esta nova etapa da vida. E nosso apoio neste momento é de estrema importância.
CONCEIÇÃO: - Meu medo é que ele vai enfrentar aqui fora.
SORAYA: - Pior ele já enfrentou lá dentro, e o que é pior, inocente. Acredito na inocência de Quim.
CONCEIÇÃO: - Vamos parar de falar disso menina, vamos virar o disco. Passou! É só uma insegurança de mãe. Mas de agora adiante vida nova, bola pra frente! É só um medo de mãe que quer ver o filho bem, protegido.
SORAYA: - É assim que se fala dona Ceição. Vamos enfrente que atrás vem gente! Mas vem cá... E a mulher dele?
CONCEIÇÃO: - Precisou sair.
SORAYA: - Sei...
CONCEIÇÃO: - Soraya pelo amor de Deus! Por tudo que é sagrado...
SORAYA: - Que isso Dona Ceição... Ta me estranhando? Comigo a senhora não precisa esquentar a cabeça. Mas... O caso é que todos já sabem! Ta todo mundo comentando. Na rua não se fala em outra coisa.
CONCEIÇÃO: - É disso que tenho medo.
SORAYA: - Bem que ela poderia ser bem mais discreta!
CONCEIÇÃO: - Entende agora minha aflição? Meu medo é essa gente desocupada que não faz outra coisa a não ser tomar conta da vida dos outros. Não quero nem pensar se essa história chegar aos ouvidos do meu filho. Desgraça na certa!
SORAYA: - Bem sabemos que isso não é só uma história inventada por desocupados. A Aparecida e o...
CONCEIÇÃO: - Chega Soraya. Não vamos mais falar deste assunto desagradável!
SORAYA: - Tá bom! Não está aqui quem falou. Ou melhor, quem ia falar! Mas a senhora se prepare... Vai ser difícil calar a boca dessa gente. Ah vai! No bairro não se fala em outro assunto.
CONCEIÇÃO: - O povo fala demais! Repete o que ouviu e acrescenta o que não viu. E de mais a mais é em nós que Quim confia. Soraya minha filha, espero contar com você. Não lhe peço isso por mim, mas pelo Quim.
SORAYA: - Fique tranqüila. A senhora sabe contar comigo. Hoje e sempre! Dona Ceição faço qualquer coisa pela felicidade do dele.
CONCEIÇÃO: - Eu sei. Como seria bom se nosso coração pudesse escolher quem agente quisesse. Tudo seria bem diferente. Se Quim tivesse escolhido você...
SORAYA: - Se... Eu teria feito do seu filho o cara mais feliz do mundo! Mas Nunca perdi a esperança. Tenho certeza que um dia ele vai acordar e perceber que Cida não é mulher pra ele.
CONCEIÇÃO: - Olha lá! Não vai me arrumar barraco! Agora vamos agilizar as coisas. Se não o dia passa e agente não fez nada. E toma atento menina...
SORAYA: -Eu hein! Ta me estranhando!
CONCEIÇÃO: - Soraya, Soraya! (Saem)
CENA III
(Na subida do morro)
JEGÃO: - Hei! Calma gata!
APARECIDA: - Mais respeito Jegão! Pra você sou e sempre fui Aparecida.
JEGÃO: - Beleza! Aparecida... Sempre aparece pra alegrar a vida.
APARECIDA: - Menos Jegão! Mesmo porque como poeta tu é ruim pra caramba.
JEGÃO: - Cada um com seu dom! E se quiser te mostro o meu.
APARECIDA: - Tenho mais o que fazer do que ficar aqui ouvindo abobrinha!
JEGÃO: - Tô sabeno o que anda fazeno...
APARECIDA: - Me esquece cara!
JEGÃO: - Peraí... Num dá as costas pra mim não. Pode se arrepender!
APARECIDA: - É uma ameaça?
JEGÃO: - Depende de tu gata! E teu home?
APARECIDA: - Quem tem homem é puta.
JEGÃO: - Nervosinha é?! Por que será?
APARECIDA: - Se é do meu marido que está querendo saber...
JEGÃO: - O temporário ou eventual?
APARECIDA: - Como é que é?
JEGÃO: - Hei! Calma aí gata! Não precisa ficar nervosa...
APARECIDA: - Não estou nervosa. Apenas irritada!
JEGÃO: - Por que será?
APARECIDA: - Não é da tua conta.
JEGÃO: - Por falar em conta... Tua farrinha ta chegano ao fim.
APARECIDA: - Sabe qual é o seu problema? Acho que não... É que você passa o dia inteiro aqui na nóia... Fumando essa porcaria... Não tem a mínima capacidade de conquistar uma garota, quanto mais uma mulher! Cuidado cara... Acho que o esperma está subindo pra cabeça! Já quanto o resto duvido que suba mais.
JEGÃO: - Não sobe mais é? Vem aqui, pega na criança pra vê como o crescimento é instantâneo!
APARECIDA: - Ai que merda é essa cara! Sai fora!
JEGÃO: - Tu é uma tremenda bisca.
APARECIDA: -Ofende não.
JEGÃO: - Todo mundo sabe que teu cunhado ta te comendo.
APARECIDA: - E isso te deixa com muita inveja, não é?
JEGÃO: - Inveja? Gata... Teu destino será cruel. Igual a você já vi um monte. Primeiro coloca banca. Depois cai de boca!
APARECIDA: - Nojento! (Saindo)
JEGÃO: - (Puxa a arma) Tu só não morre aqui, agora por consideração ao Quim que é meu truta. Sangue bom!
APARECIDA: - Puxa a porra desse gatilho! È um favor que me faz. Puxa vai... To esperando. Que foi? Acovardou é? Não tem coragem? Bandidinho de merda!
JEGÃO: - Acabar com a festa? Não! Quero vê o circo pegar fogo. E tu gata... Vai morrer. No micro-onda.
APARECIDA: - Covarde!
JEGÃO: - Tu ainda vai comer aqui ó! Na minha mão!
APARECIDA: - Sonha... Sonhar não custa nada!
JEGÃO: - Vamo vê. Teu inferno só ta começano.
APARECIDA: - Pro inferno! (Cospe no rosto dele)
JEGÃO: - (Esbofeteia ela) Tu não é mulher pro meu mano não! Num passa de uma vadia. Vagabunda!
APARECIDA: - Na teoria pode ser. Já na prática... Me deito com qualquer um, qualquer homem, menos contigo! E isso te incomoda muito, não é Jegão?
JEGÃO: - Veremo. Quero ver você dizer isso quando tiver na sarjeta!
APARECIDA: - Se viver até lá...
JEGÃO: - Piranha!
APARECIDA: - Da próxima vez vê se puxa o gatilho. (Sai)
JEGÃO: - Teus dias estão contados sua vaca!
CENA III
(Em outro plano. Casa de Conceição)
CONCEIÇÃO: - Pode colocar isso ali...
SORAYA: - Onde? Na mesa?
CONCEIÇÃO: - Isso... Me ajuda a virar o bolo!?
SORAYA: - Dona Ceição a senhora me desculpe mas eu não gostaria de encontrar a Aparecida. Como a senhora já sabe nós duas não se bica mermo, entende?
CONCEIÇÃO: - Tudo bem filha.
SORAYA: - Mas se precisar de qualquer coisa, estou em casa.
CONCEIÇÃO: - Muito obrigado Soraya! Nem sei como agradecer.
SORAYA: - Que isso! Desse jeito fico acanhada. Bom, vou nessa. (Sai. Entra Aparecida).
CONCEIÇÃO: - Cida mulher... Ta em cima da hora!
APARECIDA: - Eu sei dona conceição.
CONCEIÇÃO: - Custava chegar um pouco antes? Isso não se faz.
APARECIDA: - Faço o que posso. A senhora me dá licença!
CONCEIÇÃO: - Só quero ver onde isso vai parar.
APARECIDA: - Não tente me culpar pelo que aconteceu com seu filho.
CONCEIÇÃO: - Não seja cínica.
APARECIDA: - Cínica eu?
CONCEIÇÃO: - É. Você. Bem sei o que a mocinha anda fazendo... Onde estava.
APARECIDA: - Ninguém tem nada com isso!
CONCEIÇÃO: - O que quer? Uma desgraça!
APARECIDA: - Que desgraça pode ser maior que minha vida?
CONCEIÇÃO: - Cada qual que pague pelos seus erros!
APARECIDA: - Que dizer que a prisão do seu filho foi merecida?
CONCEIÇÃO: - Não misture as coisas... Isto não tem nada a ver com Quim.
APARECIDA: - Como não, se toda essa história começou graças a ele?
CONCEIÇÃO: - Você desgraçou a vida do meu filho.
APARECIDA: - Minha única culpa é suportar tudo isso... Um cunhado que sustenta sua cunhada, dois sobrinhos e de quebra uma mãe ingrata! Sei que me odeia. Sempre me odiou... No fundo torce para que eu me estrepe mesmo sem se perguntar minhas razões.
CONCEIÇÃO: - Se falo é pro seu bem. Juro por Deus que não quero seu mal.
APARECIDA: - Se não tem o que dizer... Fique calada.
CONCEIÇÃO: - Ingrata!
APARECIDA: - Ingrata eu? Ora dona Conceição, não me faça rir! Se a senhora acha que devemos agradecer pelas humilhações... Agora deixa eu ir... Vou buscar seu filho naquele inferno.
CONCEIÇÃO: - Teu marido.
APARECIDA: - Eu sei. E estou fazendo meu papel de esposa. Não é isso que a senhora quer? Então! Farei. Me dá licença que não quero deixar meu marido esperando. Enquanto isso reza dona Ceição... Mas reza muito!
CONCEIÇÃO: - Só Deus!
APARECIDA: - Aproveita e pede pra Deus zerar minha quilometragem, que só assim começo do zero!
CONCEIÇÃO: - Não... Vou pedir pra te dar nem que seja um tanto assim de juízo.
APARECIDA: - Ótimo! Até logo dona Ceição. (Sai)
CONCEIÇÃO: - Meu Deus! Isso vai virar um barril de pólvora! (Entra Henrique)
HENRIQUE: - Deu pra falar sozinha dona Conceição?
CONCEIÇÃO: - Vocês que estão me deixando louca! E eu que pensei que quando crescessem fossem me dar sossego.
HENRIQUE: - Nossa mãe! Que injustiça! Lhe dei até um diploma na parede. Sem contar com um belo neto.
CONCEIÇÃO: - Não diga isso nem de brincadeira.
HENRIQUE: - Quem disse que estou brincando?
CONCEIÇÃO: - Não repita isso nunca mais. Você está me ouvindo? Me prometa Henrique... Prometa que não vai mais tocar nesse assunto.
HENRIQUE: - Tudo bem! Calma. Se lhe faz sentir melhor... Prometo!
CONCEIÇÃO: - Não brinca com isso filho... Estou a ponto de ter um enfarto!
HENRIQUE: - Nossa dona Conceição! Quanto drama!
CONCEIÇÃO: - Tô vendo a hora de amanhecer morta!
HENRIQUE: - Deus me livre! Acha que quero perder minha mãezinha?
CONCEIÇÃO: - Se as coisas continuarem desse jeito... Não está muito longe!
HENRIQUE: - Para vai. A senhora tem uma saúde de ferro!
CONCEIÇÃO: - Já não sou mais a mesma.
HENRIQUE: - Pode ser melhor
CONCEIÇÃO: - Filho... Se eu lhe pedir uma coisa você faz?
HENRIQUE: - Já vem bomba!
CONCEIÇÃO: - È sério.
HENRIQUE: - Fala dona Conceição...
CONCEIÇÃO: - Fica longe da Cida. Pelo amor de Deus!
HENRIQUE: - Isso é uma coisa que não posso prometer.
CONCEIÇÃO: - Filho...
HENRIQUE: - Mãe. Em coração agente não manda!
CONCEIÇÃO: - Mas em nossas vontades sim. Podemos controlar. Te peço filho! Para teu bem. Não destrua tua vida por um capricho. Esta mulher não vale apena o sacrifício. Tem tantas moças livres por ai...
HENRIQUE: - Quem sabe o que vale apena ou não sou eu. Não quero outra mulher. Quero Cida! Aposto que está dizendo estas coisas por causa dele. È pensando nele que me pede para sufocar meus próprios sentimentos!
CONCEIÇÃO: - Não é verdade! Peço pelos dois.
HENRIQUE: - Sempre amou Quinzinho mais que eu.
CONCEIÇÃO: - Não!
HENRIQUE: - Então por que me pede isso?
CONCEIÇÃO: - Por amor a vocês. Meu filho, você é jovem, bonito, bem sucedido, cheio de vida! Tem um longo e belo caminho a sua frente...
HENRIQUE: - Amo Cidinha. Sempre amei! Não vou renunciar este amor.
CONCEIÇÃO: - Será que não basta o que teu irmão já sofreu?
HENRIQUE: - Está vendo? Sempre ele. Eu posso sofrer! Já ele não.
CONCEIÇÃO: - Não seja egoísta Henrique.
HENRIQUE: - Egoísta eu? Será que a senhora não está sendo egoísta? Pedir a um homem pra esquecer a mulher que ama? È cruel! Não tenho um botão no coração que controla a intensidade dos meus sentimentos. Se tivesse seria muito fácil!
CONCEIÇÃO: - Filho...
HENRIQUE: - E se eu pedisse pra esquecer Quim?
CONCEIÇÃO: - Não se pede a uma mãe pra esquecer um filho. Nem tão pouco escolher entre um ou outro.
HENRIQUE: - Também não se pede pra um homem apaixonado para esquecer seu amor. Acho que fiz mal em ter vindo aqui. Só passei pra saber se precisava de alguma coisa...
CONCEIÇÃO: - Nada. A única coisa que preciso...
HENRIQUE: - Chega mãe. Um bom dia! (Sai. Apagam-se as luzes).
CENA IV
(Entra Aparecida e Joaquim).
JOAQUIM: - Esteve calada por todo caminho!
APARECIDA: - Pensando...
JOAQUIM: - Pensando? Em que?
APARECIDA: - Em tudo. Em nossa vida, nas crianças...
JOAQUIM: - É... Eu sei que não será fácil. Mas, conto com o apoio de vocês para reconstruir minha vida.
APARECIDA: - È tudo tão estranho!
JOAQUIM: - Como assim?
APARECIDA: - De repente... Você aqui.
JOAQUIM: - Não ta feliz?
APARECIDA: - Muito!
JOAQUIM: - Então?!
APARECIDA: - É uma questão de adaptação, ou melhor, de readaptação. Ter que me acostumar com a idéia de você está em casa.
JOAQUIM: - (Admirado) Minha casa! Meu Deus! Estou na minha casa! Você não sabe o quanto sonhei com este momento.
APARECIDA: - Posso imaginar.
JOAQUIM: - Não. Não pode! Você não sabe Cidinha o inferno que é aquele lugar.
APARECIDA: -J á passou! E você está aqui. Agora vida nova. O futuro que interessa!
JOAQUIM: - Senti tua falta! A saudades de... Meu amor... Quero quebrar o jejum. Tirar o atrasado em nossa cama.
APARECIDA: - Vamos devagar Quim...
JOAQUIM: - Por quê?
APARECIDA: - Pra ser melhor!
JOAQUIM: - Vou te dar um trato daqueles! (Entra Conceição)
CONCEIÇÃO: - Meu filho! Que felicidade... (Abraça e beija)
JOAQUIM: - Mãe! Saudades da senhora! Minha mãezinha querida!
CONCEIÇÃO: - Que bom que está de volta!
JOAQUIM: - Senti falta das suas broncas.
CONCEIÇÃO: - Sem você havia um grande vazio. Mas vamos falar de coisas boas...Fiz pra você aquela buchada que tanto gosta.
JOAQUIM: - Oba! É hoje que me farto!
CONCEIÇÃO: - Ah, meu filho que fizeram com você? Como está magro.
JOAQUIM: - Não exagera mãe!
CONCEIÇÃO: - Tá! Ta sim... E não discuta com sua mãe! Seja bem vindo filho.
JOAQUIM: - Obrigado mãe!
CONCEIÇÃO: - Então já pro banho mocinho! Enquanto isso, esquento a comida.
JOAQUIM: - Vamos no quarto Cida...
APARECIDA: - Vai indo. Vou na casa da minha mãe. Preciso ver as crianças.
CONCEIÇÃO: - Vem filho...
JOAQUIM: - Não demora!
APARECIDA: - Tá bom. (Ele sai com a mãe. Cida fica imóvel). Meu Deus!
CENA V
(Jegão encontra Soraya)
JEGÃO: - Onde vai assim? Que pressa é essa mina?
SORAYA: - Vou a casa da Dona Ceição!
JEGÃO: - Eta Nos! Num perde a esperança mermo, né?
SORAYA: - Ah, meu bem! Quem ama sabe esperar.
JEGÃO: - Quem muito espera cansa.
SORAYA: - Esperarei cem anos se preciso for! Mesmo que essa espera toda me renda apenas um minuto nos braços dele, valerá apena!
JEGÃO: - Isso é amor de pica, onde bate fica!
SORAYA: -Que idiota! Mas estou tão bem humorada hoje que nem vou ligar pra esse teu comentário infeliz!
JEGÃO: - Tai! Se tem uma mina firmeza que merece o mano Quim essa mina é tu.
SORAYA: - Ih! Jegão, tu é um amor! Merece até um beijo. (Beija-o na face. Ele tenta a boca) Num abusa não! Agente dá mão quer o braço.
JEGÃO: - Dá a perna que logo vou querer outra coisa!
SORAYA: -Sem graça.
JEGÃO: - Aquela vadia num merece o mano não. È sangue ruim!
SORAYA: - Pena que ele num percebe! Mas valeu cara!
JEGÃO: - Tu que é mulher pra ele.
SORAYA: - Quem sabe um dia!
JEGÃO: - Mas que tal... Enquanto esse dia... Agente... Eu to sozinho, tu também! Então pá!
SORAYA: - Sossega Jegão! Olha o respeito. Agora deixa eu ir enquanto estou com uma impressão boa de tu. Algo me diz que mais um minuto aqui e essa boa impressão vai pro beléleu!
JEGÃO: - Então vai gostosa. Mais que é boa pra caraio... É!
SORAYA: - Fui! (Sai)
JEGÃO: - Êh cavalona! Ainda vou enfiar a faca!
CENA VI
(Aparecida vai a Procura Henrique)
HENRIQUE: - Que cara é essa?
APARECIDA: - A mesma de sempre!
HENRIQUE: - Hei! Calma!
APARECIDA: - Ah, desculpa! É que estou uma pilha!
HENRIQUE: - Abre o jogo.
APARECIDA: - Não. Não Posso Henrique. Pelo menos agora.
HENRIQUE: - E...
APARECIDA: - Me apavora a idéia de... Dormir com Quim depois de tudo.
HENRIQUE: - Então não dorme.
APARECIDA: - Não é tão simples assim.
HENRIQUE: - Que quer dizer?
APARECIDA: - Que vai ser inevitável. Cedo ou tarde...
HENRIQUE: - Não! (Grita) Eu te proíbo. Ouviu? Não quero que lhe toque.
APARECIDA: - Mas, isso é impossível!
HENRIQUE: - Então vamos acabar com essa situação agora.
APARECIDA: - Que está fazendo?
HENRIQUE: - Vou até lá e abro o jogo. Resolvo isso de uma vez por toda.
APARECIDA: - Não! (Desesperada) Não, assim... Eu resolvo isso. (T) Prometo. Não haverá nada entre eu e ele.
HENRIQUE: - Como posso ter certeza?
APARECIDA: - Te dou a minha palavra.
HENRIQUE: - Seguro morreu de velho!
APARECIDA: - Por favor, Henrique! Confie em mim!
HENRIQUE: - Em você confio. Já nele...
APARECIDA: - Não duvide da minha integridade.
HENRIQUE: - Como agiria em meu lugar?
APARECIDA: - Daria um voto de confiança. È isso que faz a pessoa que ama!
HENRIQUE: - Difícil!
APARECIDA: - Sei que é. Mas precisamos confiar um no outro!
HENRIQUE: - Tá bom! Vou confiar em você. Mas quero que jure que hipótese alguma...
APARECIDA: - Já tem meu amor. Agora estou te dando minha palavra! Confie em mim... Me abraça! (Ele abraça)
HENRIQUE: - Calma minha menina! Tudo vai acabar bem.
APARECIDA: - Assim espero! Me beija...
HENRIQUE: - Só se for agora! Você é de quem? De quem?
APARECIDA: - Tua.
HENRIQUE: - Só minha?
APARECIDA: - Só tua.
HENRIQUE: - Então vem que quero te mostrar uma coisa...
HENRIQUE: - Hei! Vai com calma...
APARECIDA: - Calma por quê?
APARECIDA: - Hei! Vai com calma...
HENRIQUE: - Calma por quê?
APARECIDA: - Não me deixa marcada!
HENRIQUE: - Qual o problema? Você não é minha?
APARECIDA: - Henrique... (Saem de cena)
ATO II
CENA I
(Casa de Dona Conceição)
SORAYA: - Quim! Que maravilha! (Abraça) Como fico feliz que esteja em casa.
JOAQUIM: - Obrigado!
SORAYA: - Ai! Acho que exagerei. Aquela lá tai?
CONCEIÇÃO: - Menina! Deu uma saidinha.
SORAYA: - Ah é? (T) E você gato, como esta?
JOAQUIM: - Tô legal.
SORAYA: - Dá pra vê né! Cada dia mais gostosão! Eta fartura de homem! Não é Dona Ceição? Ué! Cadê o rango? Isso sai ou não sai?
CONCEIÇÃO: - Está pronto. Só estamos esperando Aparecida.
SORAYA: - Ah! Não acredito! Temos que passar fome por que a madame resolveu bater perna? Logo hoje? Que é um dia tão especial... Acha justo Quim?
CONCEIÇÃO: - Menos Soraya. Menos!
JOAQUIM: - Foi vê as crianças.
SORAYA: - (Maliciosa) Ah! As crianças! Claro!
JOAQUIM: - Tô com saudades dos meus pivetes!
SORAYA: - E Com certeza da mulher também.
CONCEIÇÃO: - Claro né!
SORAYA: - Provavelmente a festa vai se boa hoje...
JOAQUIM: - Ô!
SORAYA: - Isto é, se ela não estiver cansada. Afinal, a coitadinha andou tanto hoje...
CONCEIÇÃO: - Soraya. (Tom severo)
SORAYA: - Falei alguma mentira, falei?
JOAQUIM: - Claro que não. Você tem toda razão.
SORAYA: - Viu. Quim meu nego... Me conte tudo. Não me esconda nada!
JOAQUIM: - Não tem nada demais...
CONCEIÇÃO: - Soraya, o Quim está cansado.
SORAYA: - Dona Ceição... A senhora está tesourando meu papo com Quim ou é impressão minha?
CONCEIÇÃO: -Você fala demais!
SORAYA: -E a senhora de menos. E entre mais ou menos... É Claro que Quim prefere mais!
CONCEIÇÃO: - Vai pra casa Soraya. Quim precisa descansar.
SORAYA: - Credo! Isso é jeito de tratar uma visita?
CONCEIÇÃO: - Desde quando você é visita? (Entra Aparecida)
SORAYA: - Oi Cidinha? Não cumprimenta mais os pobres?
APARECIDA: - Você já se julga da família não é mesmo Soraya?
SORAYA: - Obrigada queridinha! Sempre tão gentil! Acredito que esteja muito feliz. Afinal, teu maridão está em casa.
CONCEIÇÃO: - Todos estamos felizes! Agora que aparecida chegou, podemos jantar!
SORAYA: - Graças a Deus! Estou faminta. Daqui a pouco caio dura!
CONCEIÇÃO: - Me ajuda Soraya?
SORAYA: - Claro! (Saem)
JOAQUIM: - E as crianças?
APARECIDA: - Estão bem.
JOAQUIM: - Por que não vieram com você?
APARECIDA: - Vamos dar mais um tempo! Assim agente se organiza melhor.
JOAQUIM: - Como assim?
APARECIDA: - Joaquim... Tem umas coisas que você precisa saber.
JOAQUIM: - Do que está falando?
APARECIDA: - As crianças...
JOAQUIM: - Que tem as crianças?
APARECIDA: - Não as contei que estava preso.
JOAQUIM: - Como assim?
APARECIDA: - Achei melhor...
JOAQUIM: - Achou melhor mentir para nossos filhos? Por vergonha?
APARECIDA: - Isso poderia confundir as cabecinhas delas.
JOAQUIM: - Por que não me consultou?
APARECIDA: - Sabia que você ia reagir assim.
JOAQUIM: - E por isso resolveu tudo sozinha?
APARECIDA: - Não fiz por mau. Juro!
JOAQUIM: - Que disse a elas?
APARECIDA: - Que você estava trabalhando em outra cidade.
JOAQUIM: - Isso é nojento! É a pior coisa que já fez. Não tinha esse direito! (Entra Conceição)
CONCEIÇÃO: - Vamos comer?
JOAQUIM: - Perdi a fome.
CONCEIÇÃO: - Que aconteceu?
JOAQUIM: - Pergunta a Cidinha. Ela agora é Deus! Decidi tudo por todos. (Sai)
CONCEIÇÃO: - Quim...
SORAYA: - Vou conversar com ele.
APARECIDA: - Isso! Corre atrás! Ta doida pra dar pra ele.
CONCEIÇÃO: - Chega Aparecida.
SORAYA: - Tem gente que não valoriza o que tem.
APARECIDA: - Larga de ser idiota! Meta-se em tua vida. Não sei que essa mulherzinha faz enfiada aqui!
SORAYA: - Claro que sabe! Você é inteligente. Vou consegui. Vai ver! Não merece o homem que tem.
APARECIDA: - Vai atrás dele, vai... Por mais que corra é de mim que ele gosta! E isso meu bem, não pode mudar!
SORAYA: - Duvida? Veremos! Só quero vê até quando você vai conseguir continuar mentindo pro Quim!
APARECIDA: - (Irritada) Sai daqui. Sai.
SORAYA: - Você me enoja!
APARECIDA: - Parem com isso.
SORAYA: - Vou sair sim. Não por você. Mas em respeito a Dona Ceição! (Sai)
APARECIDA: - Vai. Vai... Sua vaca!
CONCEIÇÃO: - Será possível que não tenho sossego em minha própria casa? Que foi dessa vez Aparecida?
APARECIDA: - Seu filho quis saber das crianças. Então aproveitei pra dizer que elas não sabiam da prisão.
CONCEIÇÃO: - Não podia espera outro momento?
APARECIDA: - Saiu. Assim, de repente! Também, quer saber? È melhor assim. Cedo ou tarde teria que contar!
CONCEIÇÃO: - Tá tudo errado! Vai atrás do teu marido...
APARECIDA: - Já é bem crescidinho pra ter que ficar correndo atrás dele.
CONCEIÇÃO: - Tudo errado! Tudo errado! Pode deixar que eu vou. (Sai)
APARECIDA: - Merda!
(Na rua Joaquim encontra Jegão)
JEGÃO: - E ai irmão, belê?
JOAQUIM: - Belê!
JEGÃO: - Só no role?
JOAQUIM: - É... Só.
JEGÃO: - Que vacilo te aconteceu...
JOAQUIM: - Armação! Armaram pra mim.
JEGÃO: - Tu sabe quem foi o sacana?
JOAQUIM: - Não. Embora se passe um milhão de coisas na cabeça da gente! Tudo é tão confuso.
JEGÃO: - Mais como foi a treta?
JOAQUIM: - Tava indo embora quando fui de repente parado pela segurança da casa... Eu tava tranquilão. Quem não deve não teme! Porra, até estranhei! Revista?! Nunca fui revistado antes. Me revistaram e pro meu próprio espanto encontraram dentro do bolso do meu jacô uma pulseira da madame. Ai, a casa caiu.
JEGÃO: - Isso ta me cheirando mutreta das grossas! Sempre soube que tu é limpo. Sangue bom. E de repente é enquadrado pelos homens! Ta certo que todo mundo tem seu preço e pode cair em tentação! Mas tu?
JOAQUIM: -Todo esse tempo, trancado naquele buraco... Fiquei pensano em tudo, tentano imaginar quem foi o filho da puta que armou pra mim. Mas não consigo imaginar quem possa ter sido...
JEGÃO: - Se quiser mano... Agora que ta livre, agente volta lá e dá um arrepio... Na boa!
JOAQUIM: - Não. Deixa queto! To de boa. Quero recomeçar minha vida!
JEGÃO: - Esquenta não... Sabe que com nós não tem essa! Que precisar...
JOAQUIM: - Valeu mesmo!
JEGÃO: - Tu sabe que meu irmão! Se a coisa apertar agente faz um rolo e resolve.
JOAQUIM: - Valeu mesmo!
SORAYA: - Quim...
JEGÃO: - Salve, salve! Olha só quem ta aqui?! Se não é a mulher maravilha!
SORAYA: - Menos Jegão! Menos!
JEGÃO: - É daí pra melhor! É ou não é Quim?
JOAQUIM: - É.
JEGÃO: - Tá veno? Sei das coisas.
SORAYA: - Tua mãe ta preocupada contigo.
JEGÃO: - Esquenta a cuca não! Ta comigo ta com Deus!
SORAYA: - Ôh, to vendo!
JOAQUIM: - Tô bem.
SORAYA: - Volta pra casa. È teu primeiro dia com a família. Não deixa nada estragar este momento tão especial. Dona Ceição fez tudo com tanto carinho pra te esperar. Dá esse gosto pra ela.
JOAQUIM: - É. Tem razão. Vamos nessa?
SORAYA: - Não Quim. Acho melhor não. Esse é um momento tão importante pra tua família... Também tenho que acordar cedo amanhã.
JOAQUIM: - Não vai fazer desfeita?
SORAYA: - Não é desfeita não. Numa boa, hoje não rola!
JOAQUIM: - Então ta.
JEGÃO: - Falô irmão! Num some não.
JOAQUIM: - Belê! (Sai)
JEGÃO: - E ai gata? Quer um trago?
SORAYA: - Te enxerga Jegão! (Sai. Jegão fica fumando um cigarro de maconha)
CENA II
(Aparecida vai ao apartamento de Henrique)
HENRIQUE: - Ora, ora! Que bons ventos atrás?
APARECIDA: - Posso entrar?
HENRIQUE: - Por que tanta cerimônia?
APARECIDA: - Não posso continuar com isso!
HENRIQUE: - Sabe que tem que ser feito...
APARECIDA: - Não consigo.
HENRIQUE: - Entra. Senta!
APARECIDA: - Sou pra ele a esperança de um recomeço...
HENRIQUE: - É um terreno muito perigoso. Pena? Não é a melhor opção!
APARECIDA: - Sabe que mais me incomoda nessa história toda?
HENRIQUE: - Não.
APARECIDA: - Tua frieza. Você não parece nada preocupado com que possa acontecer com teu irmão...
HENRIQUE: - E deveria?
APARECIDA: - Claro! Já tem tudo.
HENRIQUE: - Ainda não. E você sabe disso. Quero muito mais!
APARECIDA: - Cara, deixa de ser egoísta! Você já é um cara bem sucedido. Tem tudo que Quim Jamais terá.
HENRIQUE: - Falta você. Quanto ao resto, lutei muito pra conquistar. E lhe digo Cidinha, quero muito mais. Isso é só o começo da vida que podemos ter juntos!
APARECIDA: - Não podemos construir nossa felicidade as custas de desgraça alheia...
HENRIQUE: - Infelizmente a vida é assim... Enquanto uns choram outros riem. É preciso um perder ou vários... Para outro vencer. O mundo é assim. Injusto! E só os mais fortes sobrevivem.
APARECIDA: - Se refere a teu irmão como um estranho...
HENRIQUE: - É como se fosse. Meu irmão infelizmente é um delinqüente, e você sabe disso.
APARECIDA: - (Nervosa) Foi uma armação!
HENRIQUE: - Como pode ter tanta certeza? Momento antes do fato, ele estava me contando a sua vontade de ser rico. De se dar bem na vida... Não precisar se matar tanto no trabalho... Isso não lhe diz nada?
APARECIDA: - Que pecado há em um homem em sonhar? Conheço Quim. Pode ter todos os defeitos... Mas, roubar? Não.
HENRIQUE: - Mas fez. Roubou. Isto é fato! Aconteceu. Acreditando você ou não. Quim foi condenado.
APARECIDA: - Por que tanto ódio? Por que tanto rancor, tanta raiva Henrique?
HENRIQUE: - Por que a mulher que amo, que sempre amei... Todas as vezes que tem que escolher um lado... Não é o meu.
APARECIDA: - Não seja injusto!
HENRIQUE: - Egoísta, injusto, cruel... De que mais me acusa? As vezes me pergunto se não usa essas desculpas para justificar o que sente por ele. Seja franca. É a ele que você ama, não é? Aquele fracassado que você quer?!
APARECIDA: - Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
HENRIQUE: - Ah, não?
APARECIDA: - Não. Claro que não! Já decidi...
HENRIQUE: - Seja qual for sua decisão... Vou lhe avisando. Não costumo perder.
APARECIDA: - Ah, Henrique! Ás vezes é preciso perder para poder se ganhar.
HENRIQUE: - Essa é uma justificativa dos fracos!
APARECIDA: - Preciso ir.
HENRIQUE: - Vai pros braços dele?
APARECIDA: - Não seja tolo.
HENRIQUE: - Maria Aparecida... Não mude de lado. Sabe do que sou capaz. (Ela sai) Desgraçado!
CENA III
(Esta próxima cena acontece na casa de Dona Conceição)
CONCEIÇÃO: - Filho! Onde estava? Não faz mais isso comigo... Fico a ponto de ter um troço!
JOAQUIM: - Desculpa mãe! E Cidinha?
CONCEIÇÃO: - Foi te procurar.
JOAQUIM: - Então vou...
CONCEIÇÃO: - (Segura o braço dele) Não Quim! Fique aqui. Logo-logo ela volta. Se for atrás dela vão se desencontrar.
JOAQUIM: - Tem razão!
CONCEIÇÃO: - Vou esquentar tua comida.
JOAQUIM: - Não mãe. Não precisa! Estou sem fome.
CONCEIÇÃO: - Come só um pouco filho! Fiz com tanto gosto!
JOAQUIM: - Tá bom! Mas agora não.
CONCEIÇÃO: - Então porque não deita um pouco? Descansa!
JOAQUIM: - Mãe, não tô cansado!
CONCEIÇÃO: - Quim...
JOAQUIM: - Mãe, para de me tratar feito criança! Estou bem. Descanse a senhora.
CONCEIÇÃO: - Então tá! Mas você vai me prometer que vai comer...
JOAQUIM: - Prometo! Pode deixar! (Ela saindo) Mãe... E o Rick?
CONCEIÇÃO: - Que tem teu irmão?
JOAQUIM: - Ele aparece sempre por aqui?
CONCEIÇÃO: - Sabe como é Henrique... Muito organizado, estudioso... Sempre correndo e agora que se formou quase não tem tempo. Mas mesmo a distancia, é presente. Olha filho, se não fosse a boa vontade do teu irmão, não sei o que seria de nós.
JOAQUIM: - Nunca foi me visitar.
CONCEIÇÃO: - Sabe como é teu irmão... Se faz de durão, mas é mole pra essas coisas. Mas não em cuca com isso não! Henrique nunca se perdoou por não poder fazer nada por você naquela época.
JOAQUIM: - No dia que fui preso...
CONCEIÇÃO: - Esquece isso filho!
JOAQUIM: - Rick parecia esperar...
CONCEIÇÃO: - Isso não é verdade. E se tem uma pessoa que o defende o tempo todo, essa pessoa é teu irmão. Filho, Henrique tem sofrido muito com tudo isso e eu sou testemunha.
JOAQUIM: - Sempre me pergunto... Por quê? Por que mãe? Por qual motivo me armaram essa cilada?
CONCEIÇÃO: - Já passou filho! (Abraça) Vida nova! Não vale a pena ficar remoendo o passado.
JOAQUIM: - To certo! Tem toda razão.
APARECIDA: - Oi...
CONCEIÇÃO: - Bem que te avisei pra esperar! Bom, vou deitar. Cuida bem do meu filho. (Sai)
APARECIDA: - Onde estava?
JOAQUIM: - Trocando uma idéia com Jegão.
APARECIDA: - Jegão, Quim?!
JOAQUIM: - É. Jegão! Qual o problema? Pelo menos o truta é gente fina. Está disposto a conversar comigo... Nunca me virou as costas!
APARECIDA: - Não seja injusto!
JOAQUIM: - Injusto, eu? Não me venha falar de injustiça... Ninguém melhor que eu pra saber o que é ser injustiçado.
APARECIDA: - Me ouve homem! Esse cara parece amigo, mas sabemos o que quer.
JOAQUIM: - Que bom! Pelo menos é claro! E você Cidinha o que quer?
APARECIDA: - Vê-lo bem. È o que mais desejo! (De ombro)
JOAQUIM: - Me desculpa Cidinha. (Beija seu ombro) Estou nervoso. É tudo tão novo, tão estranho! Estou confuso. (T) Com medo!
APARECIDA: - Eu sei. Também teria!
JOAQUIM: - Que bom que te tenho ao meu lado. (Abraça) Que foi?
APARECIDA: - Nada!
JOAQUIM: - Como nada? Às vezes me parece que você está me evitando.
APARECIDA: - Impressão tua. Assim como tudo isso é novo pra você, também é diferente pra mim. Precisamos de um tempo...
JOAQUIM: - Tempo?
APARECIDA: - Pra essa nova situação. Temos que nos readaptar.
JOAQUIM: - Como assim? Não to entendendo... Sou teu marido e você minha mulher. Amamos-nos. Então... Não tem essa de tempo pra se acostumar.
APARECIDA: - Quim...
JOAQUIM: - Que esta acontecendo Cidinha?
APARECIDA: - Como assim?
JOAQUIM: - Sinto que algo está errado. Você está fria, distante...
APARECIDA: - Impressão tua. Coisa da tua cabeça! Não invente problemas onde não existe!
JOAQUIM: - Tem razão. Me desculpa! Nada mais importa, nem o passado ou o futuro... Só o presente! Hoje. E hoje quero você.
APARECIDA: - (Se a fasta) Precisa ver como nossos filhos...
JOAQUIM: -Por que foge?
APARECIDA: -Vanessa ta tão...
JOAQUIM: -Cidinha...
APARECIDA: -O Anderson ta tão tagarela, cheio de energia, levado. Dá um trabalho. Não para um minuto!
JOAQUIM: -Que bom. Entendi. Não ta a fim não é?
APARECIDA: -Acho que precisamos conversar.
JOAQUIM: -Conversar? Passei anos preso feito um animal enjaulado. Com saudade da minha família, da minha mulher... E agora que estou livre, em casa, frente a frente contigo. Me vem com essa história de que precisamos conversar em nossa primeira noite?!
APARECIDA: -Muita coisa mudou. Nossos filhos cresceram... Passamos por poucas e boas. E nesse tempo esteve ausente.
JOAQUIM: -Tem razão. Tenho sido um péssimo pai!
APARECIDA: - (Compadecida) Quim... (Abraça)
JOAQUIM: -Não me diga que é tarde! Não vou suportar te perder.
APARECIDA: -Não, não é tarde!
JOAQUIM: -Senti tanto tua falta! (Acaricia seu rosto. Beijam-se. Ele a pega no colo e a leva para o quarto)
CENA IV
(Soraya vai ao Apartamento de Henrique)
SORAYA: -Surpreso?
HENRIQUE: -Claro! Que foi Soraya? Como conseguiu subir?
SORAYA: -Tenho meus truques!
HENRIQUE: -Que deseja?
SORAYA: -Ora essa Henrique! Onde está sua educação? Não me convida a entrar?
HENRIQUE: -É melhor. Podem pensar que estou... Deixa pra lá! Entra.
SORAYA: -Nossa! Tá bem na fita hein!
HENRIQUE: -Não tenho muito tempo.
SORAYA: -Tô sabeno! É um homem muito ocupado!
HENRIQUE: -Ao contrário de muitos que conheço. Diga a que veio que não tenho tempo a perder.
SORAYA: -Eu sei. Afinal, quem sou eu? O doutor só tem olhos pra uma pessoa. Cidinha!
HENRIQUE: -O que quer?
SORAYA: -Calma doutor! Fica frio. Comigo teu segredo está bem guardado!
HENRIQUE: -Que você tem com isso?
SORAYA: -Muita coisa.
HENRIQUE: -Meta-se com tua vida.
SORAYA: -Deste segredinho depende minha felicidade! É só abrir a boca e...
HENRIQUE: -Por mim... É um favor que me faz.
SORAYA: -Desde quando essa vagabunda entrou na vida do Quim interferiu na minha.
HENRIQUE: -Azar o teu que não soube segurar teu homem.
SORAYA: -E tu sabe segurar a tua mulher?
HENRIQUE: -Deixa de rodeios... O que a trás aqui?
SORAYA: -Vou ser curta e grossa...
HENRIQUE: -Me diz uma novidade!
SORAYA: -Dispenso seus elogios!
HENRIQUE: - (Rir) Elogios?
SORAYA: -Vindo de você qualquer ofensa vira um elogio.
HENRIQUE: -Vamos poupar nosso tempo que tempo pra mim é dinheiro. Ao contrario de você não posso me dá ao luxo de viçar de pernas pro ar. Retificando, você até pode. Mais eu preciso trabalhar.
SORAYA: -Não sou tão desocupada quanto você imagina. Pro seu governo, ralo muito!
HENRIQUE: -Fala logo vai...
SORAYA: -Por que não acabem logo com essa farsa?
HENRIQUE: -Meta-se com sua vida!
SORAYA: -Será que não percebe o mau que está causando ao teu irmão? E a todo que o cerca.
HENRIQUE: -Nossa! Quanta gente protegendo o pobre e indefeso Joaquim! È incrível como meu irmão consegue despertar a compaixão de tanta gente.
SORAYA: -Quim já sofreu demais! Olha cara, numa boa... É melhor que ele saiba disso tudo que você e aquela lá estão fazendo agora. Se continuar com essa podridão pode se tornar uma imensa bola de neve e fugir ainda mais do controle.
HENRIQUE: -Quer saber Soraya? Estou pouco me lixando pro Quim! Quero mais que se dane! Ele, você e todos. Pouco me interessa os sentimentos de você! (Ela esbofeteia-o) Vagabunda! Sai. Fora! Sua vadia... (Pega-a pelo braço e a põe pra fora)
SORAYA: -Vai engolir cada palavra!
HENRIQUE: -Vai procurar tua turma! Vai rodar bolsa que o que faz melhor.
SORAYA: -Tenho nojo de você. Crápula! Canalha!
HENRIQUE: -Sai. Vai... (Ela sai) Não me faltava mais nada! (Pega um copo enche de uísque. Companhia. Abre brutalmente) Que foi?
JOAQUIM: -Rick...
HENRIQUE: -Joaquim! É hoje!
JOAQUIM: -Nervoso?
HENRIQUE: -Um pouco.
JOAQUIM: -Posso entrar?
HENRIQUE: -Claro.
JOAQUIM: -Bonito!
HENRIQUE: -Fruto de muito trabalho.
JOAQUIM: -Você merece irmão.
HENRIQUE: -O que o trás aqui?
JOAQUIM: -Tava passando por perto... Vim vê um trabalho. Então resolvi dá uma passadinha pra te dar um alô.
HENRIQUE: -Fez bem. Está difícil não é mesmo? Hoje estava lendo o jornal... Dois milhões de desempregados! E no teu caso fica ainda mais difícil.
JOAQUIM: -As pessoas me olham como um criminoso.
HENRIQUE: -Tem uma condenação.
JOAQUIM: -É. Mas já paguei por ela. Ainda que inocente!
HENRIQUE: -Isso que me irrita! Veja só... Você está ai, tentando recomeçar a tua vida de forma honesta, e todos te fecham as portas. Isso é lamentável!
JOAQUIM: -Sou inocente!
HENRIQUE: -Acredito! Mas infelizmente foi flagrado! Quis te ajudar. Mas palavra de irmão, não tem muita credibilidade!
JOAQUIM: -Vim agradecer.
HENRIQUE: -Agradecer? Mas agradecer o que?
JOAQUIM: -Tudo que tem feito por nós. Nossa mãe contou.
HENRIQUE: -Dona Ceição é muito exagerada! (Campânia) Fiz o que tinha de ser feito. Com licença... (Atende)
APARECIDA: -Precisamos conversar...
JOAQUIM: -Cidinha?
HENRIQUE: -Claro.
JOAQUIM: -Que faz aqui?
APARECIDA: -Quim? Eu...
HENRIQUE: -Veio buscar o cheque!Já está pronto.
JOAQUIM: -Que cheque?
HENRIQUE: -Todo mês ajudo nossa mãe com as compras de supermercado e outras despesas. Sabe como é... Duas mulheres e duas crianças numa casa sem renda alguma...
JOAQUIM: -Por que não me disse nada?
APARECIDA: -Que diferença faria?
JOAQUIM: -Eu saberia.
APARECIDA: -Acha que vivemos todo esse tempo de que? De vento?
JOAQUIM: -Não é preciso Henrique.
HENRIQUE: -Deixa de orgulho.Deixa disso Joaquim. Não vai ser orgulhoso agora!
JOAQUIM: -Não é orgulho.
HENRIQUE: -Então aceita.
JOAQUIM: - Fico agradecido. Mas agora eu cuido da minha família.
HENRIQUE: -Que bobagem! Me deixa ajudá-los...
JOAQUIM: -Posso me virar. Dou um jeito! Vamos Cidinha.
HENRIQUE: -Levem o cheque.
APARECIDA: -Não vou deixar meus filhos passar necessidades por causa do teu orgulho idiota. Me dá aqui Henrique. Eu aceito. (Pega o Cheque) Agora sim! Vamos. (Ela sai)
HENRIQUE: -Não queria que vocês...
JOAQUIM: -Você não tem culpa. Cidinha anda muita estranha.
HENRIQUE: -Que precisar pode contar comigo!
JOAQUIM: -Eu sei. Você é um cara super bacana meu irmão! Obrigado! (Abraça)
HENRIQUE: -Não por isso! (Joaquim sai) É... Parece que dia hoje promete! (Pega a taça) Um brinde! (Baixa a luz)
CENA V
(Casa de Dona Conceição. Soraya entra nervosa)
SORAYA: -Sinto muito em ter que dizer isto... Sei que Henrique é seu filho, mas ele não passa de um tremendo mal caráter.
CONCEIÇÃO: -Gosto muito de você Soraya! Mas não admito que fale assim do meu filho.
SORAYA: -Protege por que é mãe. E também não ouviu as coisas horríveis que me disse!
CONCEIÇÃO: -Não tinha nada que ir ate a casa dele. Quem diz o que quer, ouve o que não quer!
SORAYA: -Quer saber Dona Ceição?! Ainda que remota eu tinha uma ponta de esperança que Henrique não desejasse com a vida de Quinzinho!
CONCEIÇÃO: -Ora essa menina! De tirou isso?
SORAYA: -Ouvi com esses ouvidos que tão bem aqui... Disse alto e em bom tom! Se alguém me contasse custaria acredita. O desejo do seu santo filho e que o outro se dane!
CONCEIÇÃO: -Não. Não pode ser!
SORAYA: -Pois é! Pelo que consta, o pior inimigo de Quim é o próprio irmão!
CONCEIÇÃO: -Não diga bobagem!
SORAYA: -Meu medo é que essa história termine mau!
CONCEIÇÃO: -Meu Deus, que inferno que eu vivo! Por que não me tira logo desse mundo? (Entra Aparecida)
APARECIDA: -Não poderia ter feito isso!
JOAQUIM: -Não preciso de esmolas.
APARECIDA: -Ah, é? E vai fazer o que?
SORAYA: -Ah, é?
CONCEIÇÃO: -Mas o que é isso? Que foi agora?
APARECIDA: -Seu filho rasgou o cheque que Henrique deu pras compras.
CONCEIÇÃO: -Por que fez isso filho?
JOAQUIM: -Não preciso de esmolas. Posso me virar sozinho!
APARECIDA: -Então te vira! Amanha mesmo estou trazendo as crianças pra cá. (Joaquim sai)
CONCEIÇÃO: -Joaquim... Quim?
SORAYA: -Francamente!
APARECIDA: -Aproveita vai... Vai atrás dele. Sei que isso que está louca pra fazer!
SORAYA: -Se tu amasse ele de verdade, era você que ia atrás dele. (Sai)
APARECIDA: -Já disse que não quero essazinha enfiada aqui dentro de casa.
CONCEIÇÃO: -Pelo que sei esta casa ainda é minha!
APARECIDA: -É... Ainda é sua. Então faz bom aproveito! (Sai)
CONCEIÇÃO: -Dai-me forças Senhor!
ATO III
CENA I
(Entrada do morro. Joaquim procura Jegão)
JEGÃO: -E ai irmão?
JOAQUIM: -Belê!
JEGÃO: -Belê! O que manda?
JOAQUIM: -Tô precisando levantar uma grana.
JEGÃO: -A parada num tá fácil né?
JOAQUIM: -Pode crer! Mas é só dessa vez.
JEGÃO: -Fica frio truta! Tá comigo, tá com Deus!
JOAQUIM: -Qual o esquema?
JEGÃO: -Tem uma parada ai... Moleza! Suave! Tá tudo na fita. Facinho! Gente de dentro ta com nós. É só chegar, pegar e correr pro abraço!
JOAQUIM: -Assalto?!
JEGÃO: -Com toda essa facilidade? Fala sério... Diremos que é como se fosse pegar uma mercadoria.
JOAQUIM: -Tudo tem seu risco!
JEGÃO: -Nessa empreitada... Num tem risco nenhum! Oh, truta, acha que eu ia vacilar, colocando tu numa fria? Toma... (Entrega uma arma)
JOAQUIM: -Arma?
JEGÃO: -Claro! Por mais que esteja tudo acertado, tem que parecer que... Sabe como é, se perceberem que foi facilitado os home desconfia!
JOAQUIM: -E quanto vou levar nisso?
JEGÃO: -Metade, dividido por três.
JOAQUIM: -Quem mais vai participar?
JEGÃO: -Eu, você e zóio!
JOAQUIM: -O zóio?
JEGÃO: -Filho da Dona Irene.
JOAQUIM: -Mas o zóio é de menor.
JEGÃO: -Tá por fora mermo, né? O de menor já tem duas mortes nas costas!
JOAQUIM: -Sério?
JEGÃO: -Pode crê! Tô falano... Olhou torto, o cara te apaga!
JOAQUIM: É. Acho que fiquei muito tempo trancado!
JEGÃO: -Então, tamo combinado?
JOAQUIM: -Combinado.
JEGÃO: -Amanhã as dez... Me encontra aqui.
JOAQUIM: -Belê.
JEGÃO: -Num vai furar.
JOAQUIM: -Esquenta cabeça não.
JEGÃO: -Vê se não vai pisar... Vamo puxar um?
JOAQUIM: -Tô de boa.
JEGÃO: -Tu que sabe.
JOAQUIM: -Valeu! Vou nessa.
JEGÃO: Ôh, as dez!
JOAQUIM: -Esquenta não. (Sai. Entra Soraya)
SORAYA: -Que amigo hein?
JEGÃO: -E ai gata?! Tá a fim de um trato?
SORAYA: -Te enxerga Jegão! Vê se deixa Quim fora das tuas armações...
JEGÃO: - Que coisa mais feia! Fica ouvindo conversa atrás do muro.
SORAYA: -Sei que gosta de Quim como se fosse um irmão...
JEGÃO: -Falô e disse!
SORAIA: -Então?! Deixa ele fora dessa.
JEGÂO: -Fala do carinho como se fosse uma criança...
SORAYA: -Ás vezes age como se fosse. Num percebe que ele pode se ferrar nessa?
JEGÃO: -Tudo tem seu risco mina!
SORAYA: -Por favor... Olha... Diz que mixou.
JEGÃO: -E o que ganho com isso?
SORAYA: -Não diz que é amigo de Quim? Então?
JEGÃO: -Deixaria fora... Deixa pra lá. Bobagem!
SORAYA: -Fala Jegão!
JEGÃO: -Que mermo saber gata?
SORAYA: -Claro!
JEGÃO: -Pode me convencer.
SORAYA: -Eu?
JEGÃO: -É mina, você.
SORAYA: - (Desconfiada) Mas como?
JEGÃO: -Tu é uma puta de um pedaço sabia?
SORAYA: -Qual é a tua?
JEGÃO: -Ah, vai dizer que ainda não entendeu?
SORAYA: - Entendí.
JEGÃO: -Garota esperta!
SORAYA: -Não posso.
JEGÃO: -É uma pena. Quem gosta se sacrifica. E que bem que pra você num vai ser nenhum sacrifício.
SORAYA: -O que você quer de mim Jegão?
JEGÃO: -Adoro essa sua inocência.
SORAYA: -Diremos que tope...
JEGÃO: -Ai, tu pode me pedir o que quiser que eu faço. (Ele tira a blusa dela. Acaricia. Deita por cima. Apaga-se as luzes)
CENAII
(Henrique vai à casa de Dona Conceição)
CONCEIÇÃO: -Filho?
HENRIQUE: -Hei! Está casa ainda é da minha mãe!
CONCEIÇÃO: -Henrique pelo amor de Deus! Não crie problemas!
HENRIQUE: -Ele apronta... Eu sou a ovelha negra! (Aparecida entra em cena e ouve a conversa sem que Henrique e Conceição a note)
CONCEIÇÃO: -Às vezes me pergunto se agi de forma correta. Todo esse tempo tendo que conviver com essa culpa. Não estou suportando este remoço que me acusa, castiga... É duro demais pra uma mãe ter que ficar calada, guardando com ela própria um segredo que pode modificar o rumo de duas vidas. Não pense que é fácil Henrique ter que escolher entre um filho ou outro. É como se tivesse de escolher quem vai ser crucificado. Se eu pudesse ir no lugar de um de vocês! Não sofreria tanto! Este segredo está me matando aos poucos.
HENRIQUE: -Fez a sua escolha. E lhe garanto que fez a escolha certa!
CONCEIÇÃO: -Não sei.
HENRIQUE: -Claro que fez! Me diz o que teria acontecido se tivesse contado a verdade... Quim não aproveitaria a liberdade melhor que eu.
CONCEIÇÃO: -Me consciência estaria tranqüila!
HENRIQUE: -E a senhora, Cidinha e as crianças estariam na miséria.
CONCEIÇÃO: -Isso não é verdade. Daríamos um jeito. Você foi cruel. Como pode fazer isso com seu irmão! Como pode?
HENRIQUE: -Fiz. Mas a senhora teve sua participação quando se calou. Agora não adianta voltar atrás. Foi minha cúmplice nessa história! Não dar pra voltar no tempo. Não pode mudar o que já está feito. Vai ter que conviver com isso pelo resto da vida.
CONCEIÇÃO: -Não! Isso não é verdade! Fiquei sabendo depois.
HENRIQUE: -A tempo de salvar Joaquim da cadeia. Não fez nada. Preferiu o silêncio!
CONCEIÇÃO: -Foi você Henrique.
HENRIQUE: -Faria tudo novamente se preciso fosse! Ele me tirou tudo.
CONCEIÇÃO: -Não é verdade!
HENRIQUE: -Cidinha era minha namorada.
CONCEIÇÃO: -Acabou com a vida do teu irmão por capricho!
HENRIQUE: -Me roubou a mulher que amo.
CONCEIÇÃO: -Ela escolheu teu irmão.
HENRIQUE: -Mas agora tudo mudou. É comigo que vai ficar.
CONCEIÇÃO: -Meu Deus! Já não conheço você. Está louco!
HENRIQUE: -Louco de amor! Não sou mais aquele moleque favelado que foi criado por uma semi-analfabeta num barraco podre... Privado até mesmo do essencial. Eu venci. Pelos meus próprios méritos! E isso incomoda muita gente. Me diz mãe se ele aproveitaria melhor a liberdade que eu?
CONCEIÇÃO: -Precisa de ajuda meu filho.
HENRIQUE: -Não mãe. Você é que precisam de minha ajuda. (Sai)
APARECIDA: - (Aparece) Então foi ele!
CONCEIÇÃO: -De que está falando?
APARECIDA: -Chega! Ouvi tudo. Como a senhora pode ser capaz?
CONCEIÇÃO: -Você é a culpada dessa desgraça toda. Se não tivesse entrado nas vidas deles, isso jamais teria acontecido! Foi você e sua falta de caráter que jogou um contra o outro.
APARECIDA: -Sempre soube de toda verdade... O tempo todo sabia! Não fez nada. Que tipo de mãe é você?
CONCEIÇÃO: -Protegi meus filhos do jeito que achei correto.
APARECIDA: -Mandando um inocente para prisão? Quim pagou por um crime que não cometeu. Sabia de tudo e não fez nada! Você é um monstro. É pior que Henrique.
CONCEIÇÃO: -Quim pagou o preço por ter te conhecido.
APARECIDA: -Você me enoja!
CONCEIÇÃO: -Tem mais que se preocupar. Acha que teu marido vai deixar barato quando souber que você e Henrique são amantes e que juntos tem um filho?
APARECIDA: -Cala essa boca! È mentira!
CONCEIÇÃO: -Guarde suas forças... Vai precisar!
APARECIDA: -Te odeio!
CONCEIÇÃO: -Temos nossos segredos! Não há mentira que fique escondida para sempre. A verdade sempre aparece! E por mais que nos traga sofrimentos, nos liberta!
APARECIDA: - Tudo poderia ser diferente!
CONCEIÇÃO: -Um erro não justifica o outro!
APARECIDA: -Você me enoja. (Sai)
CENA III
(Num canto escuro, encostados a um muro).
JEGÃO: -Nossa gata! Que maravilha! Que trato! Tava precisano.
SORAYA: -Teve o que queria. Agora cumpra com sua parte no trato. (Abotoando a blusa)
JEGÃO: -Mina... Tu se julga tão esperta...
SORAYA: -Hei, Peraí!? Tu prometeu.
JEGÃO: -E eu sou lá home de negociar com piranha?
SORAYA: -Canalha!
JEGÃO: -Isso! Bate cachorrona! Tu foi mais fácil que pensava!
SORAYA: -Desgraçado!
JEGÃO: -Ai, fica na tua! Tu deu. Eu comi. Agora sarta daqui!
SORAYA: -Você me paga! Isso não vai ficar assim!
JEGÃO: -Cai fora!
SORAYA: -Quer saber? Esperava mais. De jegão tu só tem o nome. Foi à pior transa que já tive. Nunca vi tanta mixaria!
JEGÃO: -Mais tu gemeu feito uma vaca!
SORAYA: -Fingi! Fingi!
JEGÃO: -Hãn, Hãn!
SORAYA: -Filho da puta de um caralho! Seu...
JEGÃO: -Hei! (Pega a arma) Agora chega. Cai fora! Te manda. (Ela sai. Ele prepara um cigarro. Apaga-se a luz).
CENA IV
(Aparecida vai até o apartamento de Henrique)
APARECIDA: -Cidinha!
APARECIA: -Como pode...
HENRIQUE: -Hei! Calma ai... Do que você está falando?
APARECIA: -Foi você.
HENRIQUE: -Foi eu o que?
APARECIDA: -Não se faça de desentendido!
HENRIQUE: -Que foi agora? Resolveu enlouquecer?
APARECIDA: -Foi você que implantou as jóias no casaco do Quim...
HENRIQUE: -Não sei do que está falando.
APARECIDA: -Não seja cínico.
HENRIQUE: -Cuidado! Alguém pode ouvir e acreditar nessas acusações.
APARECIDA: -Como pude ser tão idiota! Você planejou tudo. E eu? Burra! Cai.
HENRIQUE: -Cidinha calma...
APARECIDA: -Não toque em mim...
HENRIQUE: -Você está descontrolada.
APARECIDA: -Como pude ser tão burra? Meu Deus!
HENRIQUE: -Fiz isso por você.
APARECIDA: -O que?
HENRIQUE: -Fiz por nós.
APARECIDA: -Não... Não posso acreditar!
HENRIQUE: -Querendo o não você também fez parte disso!
APARECIDA: -Não me coloque nessa sujeirada!
HENRIQUE: -Já está. Não tem como sair.
APARECIDA: -Não! Não quero nunca mais olhar na tua cara.
HENRIQUE: -Faz isso que eu tomo meu filho.
APARECIDA: - (Nervosa) Meu filho!
HENRIQUE: -Quer que eu peça a guarda? Já fiz o teste DNA. Posso provar que você é incapaz de sustentar nosso filho.
APARECIDA: -Você é desprezível! Te odeio!
HENRIQUE: -Amor e ódio andam lado-a-lado! Diremos que sou apenas um homem apaixonado. Um homem que capaz de tudo por amor! Não isso que toda mulher deseja?
APARECIDA: -Você está louco.
HENRIQUE: -É o amor!
APARECIDA: -Doença.
HENRIQUE: -Se estou doente... Você é meu remédio. Agora escuta aqui, você para casa e vai contar tudo pra aquele bostinha do teu marido, que eu sou o homem da tua vida e que sou o pai do teu filho. Aproveita e diz que vem morar aqui com nosso filho.
APARECIDA: -Isso não pode está acontecendo. É loucura!
HENRIQUE: -Loucura estará fazendo você se não fizer o que lhe mando. Olha Cidinha, aceito até mesmo tua filha com Joaquim. Prometo que não lhes deixarei faltar nada. Se você não fizer o que estou lhe pedindo peço na justiça a guarda do meu filho. Como já sabe não será difícil de provar que você é uma péssima mãe. E com os inimigos que tem... Então seja sábia. (Aparecida o fixa com ódio. Sai. Ele pega um copo enche de uísque, bebe. Sorri. Apagam-se as luzes).
CENA V
(Soraya entra tensa meio arquejante)
SORAYA: -Dona Conceição!
CONCEIÇÃO: - (Vindo da cozinha) Oi! Que foi Soraya? Que afobação é essa? Aconteceu alguma coisa com Quim?
SORAYA: -Ainda não.
CONCEIÇÃO: -Meu Pai! Parece que o teto está desabando sobre a minha cabeça.
SORAYA: -Preciso lhe contar uma coisa. Mas não quero que fique nervosa.
CONCEIÇÃO: -Diga logo Soraya.
SORAYA: -Não. Deixa pra outra hora.
CONCEIÇÃO: -Nada disso! Vai falar agora. Se tivesse de morrer já teria morrido! A culpa que carrego está me matando aos poucos feito doença ruim.
SORAYA: -Que foi? A senhora está tão abatida.
CONCEIÇÃO: -Ah, minha filha! Nesta vida cometemos tantos erros!
SORAYA: -Concordo. Todos estamos sujeitos a errar!
CONCEIÇÃO: -O que foi?
SORAYA: -Fiz uma coisa horrível. Julgava está fazendo a coisa certa, ma agora, vejo que o que eu fiz... Foi uma imbecilidade tremenda! Mas juro por tudo que é mais sagrado! Fiz por amor. E por essa amor me sinto... Suja! Desvalorizada!Um lixo!
CONCEIÇÃO: -Por amor fazemos tantas bobagens! Mas é errando que se aprende. Mesmo que esse aprendizado seja á base da porrada. Infelizmente minha querida, o tempo não volta. Nem ao menos para enquanto choramos nossas mágoas!
SORAYA: -Ah, Dona Ceição! (Deita a cabeça no colo)
CONCEIÇÃO: - (Lhe afaga os cabelos) Filha... Se não quiser, não precisa contar.
SORAYA: -Temos que ajudar o Quim antes que seja tarde demais!
CONCEIÇÃO: - (A segura pelos ombros a pondo a sua frente) Do que está falando Soraya?
SORAYA: -Jegão...
CONCEIÇÃO: -Tinha que ser esse marginal! No que ele meteu meu filho?
SORAYA: -Estão planejando um assalto.
CONCEIÇÃO: -Assalto? Meu santo Deus!
SORAYA: -Não sei como, nem onde... Só sei que será amanhã as dez. Quim vai encontrar Jegão...
CONCEIÇÃO: -Não diga mais nada. Isso não vai acontecer. Só se for por cima do meu cadáver.
SORAYA: -Que vamos fazer pra impedir?
CONCEIÇÃO: -Nem que eu tenha que me matar na frente dele. Mais de casa ele não sai.
SORAYA: -Que isso Dona Ceiça?! Também não precisa tanto! Vamos ser mais inteligentes... Temos que agi com calma. De cabeça fria. Quim não sabe que sabemos.
CONCEIÇÃO: -No que está pensano?
SORAYA: -Podemos sim segurar ele em casa.
CONCEIÇÃO: -Como? Ele é teimoso feito uma porta!
SORAYA: -O que tem que fazer é que ele coma.
CONCEIÇÃO: -Comer?
SORAYA: -Isso. Coma antes de sair.
CONCEIÇÃO: -E no que isso vai ajudar? (Espantada) Laxante?
SORAYA: -Não. Sonífero. Vamos colocar Quim pra dormir e faltar ao encontro com aquele vagabundo do Jegão.
CONCEIÇÃO: -E onde vamos conseguir o remédio?
SORAYA: -Deixa comigo. Agora prepara algo que ele goste muito e não resista. (Sai)
CONCEIÇÃO: -Meu Deus! Tomara que dê certo!
CENA VI
(Joaquim e Aparecida estão a sós no quarto)
JOAQUIM: -Tá estranha...
APARECIDA: -Que?
JOAQUIM: -Tenho notado e não é de agora.
APARECIDA: -Impressão tua.
JOAQUIM: -Num é não!
APARECIDA: -Tá bom... Tem razão.
JOAQUIM: -Tenho?
APARECIDA: -Tem. Olha Quim, você é melhor que todos nós juntos...
JOAQUIM: -De que ta falando?
APARECIDA: -Não devia ter aceitado ajuda do teu irmão. Mesmo que tivesse que passar fome deveria sentir calada...
JOAQUIM: -que deu em você Cidinha?
APARECIDA: -Quero começar uma vida nova ao teu lado. Só eu, você e as crianças. De preferência longe daqui. Vamos embora deste lugar...
JOAQUIM: -Oh, meu amor! Falta muito pouco pra isso acontecer. Amanhã mermo resolvo isso.
APARECIDA: -Quim... O que... No que está se metendo?
JOAQUIM: -Apenas confie em mim.
APARECIDA: -Não Quim! Você...
JOAQUIM: -Vai ficar tudo bem.
APARECIDA: -Lógico que não. Será que não entende? Estou falando de recomeço...
JOAQUIM: -E você acha que podemos sair pelo mundo com dois filhos sem eira nem beira?
APARECIDA: -Quer voltar praquele buraco? É isso que deseja? Presta atenção Joaquim, não sei se vou agüentar isso de novo.
JOAQUIM: -Faço isso por nós!
APARECIDA: -Chega! Que inferno. Será que não percebe que se fizer isso vai nos perder? Estou avisando... Cansei! Cansei. Não vou suportar tudo outra vez!
JOAQUIM: - (Abraça) Hei! Calma! Vai dar tudo certo. Confie em mim.
APARECIDA: -Não é isso que quero pra minha vida! (Sai)
JOAQUIM: -Merda!
CENA VII
CONCEIÇÃO: -Quim... Cida...
JOAQUIM: -Entra mãe.
CONCEIÇÃO: -Trouxe comida pra vocês.
JOAQUIM: -Estou sem fome.
APARECIDA: - (Entra Aparecida) Também!
CONCEIÇÃO: -Não vão fazer desfeita?
APARECIDA: -Não quero mermo!
CONCEIÇÃO: -Fiz com tanto carinho!
JOAQUIM: -Tá bom mãe! Eu como. Mas só com uma condição.
CONCEIÇÃO: -Qual?
JOAQUIM: -Já que Cidinha não quer... A senhora me acompanha.
CONCEIÇÃO: -Sabe o que é... É que já comi.
JOAQUIM: -Então nada feito!
CONCEIÇÃO: -É que estou farta! Ta! Ta bom!
JOAQUIM: - (Sem querer troca os pratos) Não custa nada. (Comem) Bom! Que foi?
APARECIDA: -Dona Conceição... Algum problema?
CONCEIÇÃO: - (Zonza) Problema algum.
APARECIDA: -Enquanto comem vou tomar banho. (Sai)
JOAQUIM: -Que delícia! Que foi mãe?
CONCEIÇÃO: -É que acabei de comer e estou cheia!
JOAQUIM: -Isso é desfeita! Faz tanto tempo que não comemos assim... Juntos! (Comem)
(Outro Plano)
SORAYA: -Aparecida...
APARECIDA: - (Finge não ouvi)
SORAYA: -É sério.
APARECIDA: -Ôh garota, não se enxerga não é?
SORAYA: -Que lástima!
APARECIDA: -Que é?
SORAYA: -Ele comeu?
APARECIDA: -Que?
SORAYA: -Tô querendo saber se Quim comeu a comida que Ceição preparou?
APARECIDA: -Por quê? Até nisso tu tem que se meter?
SORAYA: -É importante que eu saiba.
APARECIDA: -Embora não seja da tua conta... Comeram!
SORAYA: -Meus Deus! Então... (Entram. Encontram Conceição dormindo)
APARECIDA: -Que foi?
SORAYA: -É melhor chamar o resgate.
APARECIDA: -Que está acontecendo?
SORAYA: -Deixa de ser chata e chama logo a merda do resgate! (Aparecida sai) Que merda! Que burrice você fez? (Som de ambulância)
CENA VIII
(Ainda na casa de Conceição)
HENRIQUE: -O que está fazendo?
APARECIDA: -O que está vendo. (Arrumando a mala)
HENRIQUE: -Então decidiu. Vai vir comigo!
APARECIDA: -É me decidi...
HENRIQUE: -Meu amor! Sabia! (Entra Soraya. Fica Escondida. Escuta a conversa)
APARECIDA: -Desencosta!
HENRIQUE: -Que deu em você? Que tom é esse?
APARECIDA: -Não entendeu nada mermo! Vou embora com Quim.
HENRIQUE: -E vai viver de que?
APARECIDA: -Daqui a pouco ele vai entrar por essa porta e nossa vida vai mudar.
HENRIQUE: -Conversa! Posso saber como?
APARECIDA: -Não. Não da tua conta!
HENRIQUE: -Nunca mais vai vê nosso filho.
APARECIDA: -Isso é o que veremos!
HENRIQUE: -Gosto muito da minha sogra. É muito generosa e compreensiva! Sem contar que odeia teu marido.
APARECIDA: -Onde está meu filho?
SORAYA: -Está muito bem.
APARECIDA: -Juro que se não disser onde está vou a polícia. Isto é seqüestro.
HENRIQUE: -Não seja ridícula. Sou o pai.
APARECIDA: -Grande merda!
HENRIQUE: -Aposto que o teu marido está envolvido em encrenca! Está aqui o celular. Vamos... Liga. Chama a polícia. Eles vão agradecer o flagrante! Quanto ao nosso filho, posso pedir a guarda a qualquer momento. Não se esqueça disso.
APARECIDA: -Como você é sujo! Vai fazer como da outra vez? Armar pra cima do teu irmão! Sei que foi você que forjou tudo.
HENRIQUE: -Bravo! Você não é tão burra quanto parece. E de certa forma é cúmplice de tudo. Sempre soube e nunca fez nada! Toda essa situação sempre foi muito cômoda pra você.
APARECIDA: -Mentiroso!
HENRIQUE: -Não tem como fugir. Está presa a mim! (Entra Joaquim)
SORAYA: -Fudeu!
JOAQUIM: -Tá pronta Cidinha? (Vê Henrique) Henrique?
HENRIQUE: -Ainda não Joaquim! Aparecida tem uma coisa muito importante pra lhe dizer.
APARECIDA: -Não tenho nada a dizer.
HENRIQUE: -Então digo eu.
APARECIDA: -Não acredite em nada que ele te disser Quim... É tudo mentira!
SORAYA: -E tudo que você disser também. Você é tão mentirosa quanto ele!
JOAQUIM: -Que tá acontecendo aqui?
APARECIDA: -Por que não te mete na tua vida!
SORAYA: -Quim faz parte da minha vida!
APARECIDA: -Cai fora garota! Te enxerga!
JOAQUIM: -Querem me dizer o que está acontecendo aqui?
HENRIQUE: -Vocês são tão patéticos!
SORAYA: -Foi ele. Teu próprio irmão! Ele forjou o roubo pra te incriminar.
JOAQUIM: -Que tá dizeno? Enlouqueceu?
APARECIDA: -Não dê ouvidos a essa...
SORAYA: -Quis te tirar do caminho dele pra que ficasse livre...
APARECIDA: -Mentira! Mentira! Meu amor, não dê ouvido a essa louca. Quer destruir nosso casamento pra ter chance de ficar contigo.
JOAQUIM: -Que diabo está acontecendo aqui Henrique?
HENRIQUE: -É hora da verdade!
JOAQUIM: -Que verdade?
HENRIQUE: -Fui eu que armou tudo pra te incriminar.
JOAQUIM: - (Dá um soco) Você destruiu a minha vida! Por que?
HENRIQUE: -Por ela.
JOAQUIM: -Cida?
SORAYA: -São amantes! O menino é filho dele.
JOAQUIM: -Canalha! Canalha! Vou acabar com tua raça.
APARECIDA: -Para! Pare com isso!
JOAQUIM: -Você vai me pagar! (Puxa a arma)
APARECIDA: -Para Quim! Pelo o amor de Deus!
SORAYA: -Não faça isso! Não vale apena... Vai desgraçar tua vida por causa dessa coisa ruim.
HENRIQUE: -Atira logo!
SORAYA: -Cala a boca seu idiota!
APARECIDA: -Quim não faz isso!
JOAQUIM: -Vou acabar com sua raça! (Engatilha)
SORAYA: -Se tua mulher não soube te dar valor... Quim escuta, te amo! Te amo! Sempre te amei. Não quero que volte praquele buraco.
APARECIDA: -Para Quim... Por favor! Não faz isso... (Pega o celular) Se não serei obrigada chamar a polícia.
HENRIQUE: -Vamos atira! Atira. Me mata! Nada mudará o passado. Quer saber? Todos sabiam de tudo. Todos! Menos você. Até nossa mãe sabia. O corno é sempre o último a saber.
APARECIDA: -Chega! Vou chamar a polícia.
SORAYA: -Larga de ser burra sua idiota! Quim... Por favor, não atira. (Entra Conceição)
CONCEIÇÃO: -A culpa foi minha. Eu sabia de tudo e me calei. Se tem que matar alguém... Então me mata. Sou a maior culpada. Dispare nesse coração inútil! Só assim ficarei tranqüila com minha consciência.
JOAQUIM: -Por que mãe? Por que? Por que o protegeu?
CONCEIÇÃO: -Se atirar agora... Morri quando vi você ser condenado mesmo sabendo que era inocente. Mas o sangue de mãe falou mais alto...
JOAQUIM: -Que merda é essa?
CONCEIÇÃO: -Não sou tua mãe de sangue Quim. Te peguei bebê pra criar. Tudo que fiz foi pra proteger Henrique, meu filho.
JOAQUIM: -Isso não é verdade!
CONCEIÇÃO: -É. É verdade! Sinto muito.
HENRIQUE: -Que foi? Se acovardou? Fraco! Você é um fraco. Sempre foi!
CONCEIÇÃO: -Chega Henrique! Chega! Me perdoa Joaquim? Se hoje tivesse que escolher...
JOAQUIM: -O sangue falaria mais alto!
SORAYA: -Quim...
CONCEIÇÃO: -Você também é meu filho! Acredite.
JOAQUIM: -Te perdôo mãe! Te perdôo... (Aponta a arma para o irmão e em seguida pra sua própria cabeça. Ouve um tiro. Em seguida gritos)
F I M