LIÇÃO
DE VIDA
De: Marcondys França
Personagens:
VALTER
NERISSA
(Mulher de Valter)
LISANDRA
(Filha)
LEANDRO
(Filho)
OBERON
(Pai de Valter)
ARIELE
(Assistente Social)
PRIMEIRO
ATO
CENA
I
(Oberon
esta sentado em uma poltrona, parece nostálgico)
VALTER:
-
Ainda acordado papai?
OBERON:
-
Sim... A insônia insiste em não me abandonar...
VALTER:
-
Precisamos averiguar isto. Suas insônias estão mais constantes.
OBERON:
-
Com o passar do tempo, o pesar da idade... As lembranças, a saudade, o pesar
das horas nos atormentam.
VALTER:
-
Nostalgia...
OBERON:
-
Não. Apenas lembranças, de um tempo que não volta mais. O que nos restam, se
não memorias, ou flashs de memorias, de tudo que foi vivido e ou que deixamos
de viver acreditando que tínhamos todo tempo do mundo.
VALTER:
-
Ainda não acabou. Tem muito ainda que viver... Então pra que desperdiçar... O
passado é importante, mais não deve deixar que seja muito mais importante que o
presente.
OBERON:
-
Tem razão. Aproveitar o presente! Hoje entendo o futuro não existe, por que
hoje passara a ser passado e amanha? Presente. Irônico não?
VALTER:
-
Então viva papai... Viva intensamente
cada segundo, cada minuto, cada hora, cada dia...
OBERON:
-
Não desperdiço, nem deixo de viver... No mais sou cercado de amor... Só que não
dá pra deixar de recordar os momentos vividos...
VALTER:
-
Mamãe lhe faz muita falta, não é mesmo?
OBERON:
-
Sim, faz. Mas prefiro pensar que ela está bem, feliz... Que neste momento, ela
está num lugar muito especial, tão especial quanto ela, sentada na relva verde,
sentindo o vento acariciado sua face, contemplando a beleza de um lindo lago
azul de águas transparentes... Sendo protegida pela sombra de uma árvore.
VALTER:
-
Oh, pai! Sempre achei que devias ser um poeta.
OBERON:
-
Não é poesia... É como imagino que seja o outro plano...
VALTER:
-
Não vamos mais falar disso... Eu estou aqui. Nós estamos aqui com o senhor.
OBERON:
-
O ruim de se viver muito... E presenciar a partida de todos que conhecemos e
amamos...
VALTER:
-
Não diga isto. Queremos que viva bastante. Desejo que presencie meus filhos
casarem, que segure em seu braços o seu bisneto...
OBERON:
-
Bisneto... Ah! Espero ter forças, não ser tão velho que não possa segurar...
VALTER:
-
O senhor é forte feito um touro! (Riem)
Eu ajudo.
OBERON:
-
Sendo assim... Me sinto animado. Só espero que não demore muito.
VALTER:
-
Também não precisa ser pra tão logo, né?
OBERON:
-
Eu espero.
VALTER:
-
Mas falando sério... Me preocupa vê-lo assim, calado. Quietinho, num
cantinho...
OBERON:
-
Diz o poeta: “E preciso que se aprenda a conviver com o silêncio, ele nos dirá
em poucas palavras, tudo aquilo que precisamos ouvir”.
VALTER:
-
Pai... Quero que saiba, sempre estarei aqui.
OBERON:
-
Tem sua família. Não deve se importar com um velho...
VALTER:
-
Hei! Psiiii! Não diga isto. O senhor faz parte desta família.
OBERON:
-
Não quero ser um estorvo...
VALTER:
-
Não é. É meu pai, meu amigo de sempre, meu herói que sempre admirei.
OBERON:
-
Oh, filho! Sou o pai mais orgulhoso do mundo.
VALTER:
-
Se sou este homem, com estes valores, é por que segui seu exemplo, de
honestidade e humanidade. (Se abraçam)
OBERON:
-
Meu querido filho.
VALTER:
-
Agora vamos... É tarde.
OBERON:
-
Claro. Vamos, filho.
VALTER:
-
E o senhor tente dormir. (Saem)
CENA
II
NERISSA:
-
Precisamos conversar...
VALTER:
-
Bom dia Nerissa.
NERISSA:
-
Pra você o dia sempre está bom...
VALTER:
-
Não estou entendendo.
NERISSA:
-
Será? Ou finge que não entende?
VALTER:
-
Seja mais clara.
NERISSA:
-
Temos que dar uma solução...
VALTER:
-
Não estou entendendo...
NERISSA:
-
Não percebe que Lisandra já é uma moça, não dar mais para continuar no mesmo
quarto que o irmão.
VALTER:
-
Que quer que eu faça?
NERISSA:
-
O que tem que ser feito.
VALTER:
-
Já conversamos sobre isto.
NERISSA:
-
Querido...
VALTER:
-
Não. Negativo...
NERISSA:
-
Valter...
VALTER:
-
Já disse que não. Não vou colocar meu pai num asilo.
NERISSA:
-
sabe que isso será inevitável.
VALTER:
-
Que esta dizendo?
NERISSA:
-
Seu pai vai precisar de cuidados...
VALTER:
-
Meu pai não é um objeto descartável.
NERISSA:
-
Não disse que era.
VALTER:
-
Mas age como se fosse. Como um objeto que depois de velho se descarta...
NERISSA:
-
Só acredito que seria viável...
VALTER:
-
o que?
NERISSA:
-
Calma. É que eu estive pesquisando... E encontrei um lugar...
VALTER:
-
Não. Nem começa.
NERISSA:
-
Por favor... Apenas me ouça. Olha, veja... (Dar
um panfleto)
VALTER:
-
Um asilo.
NERISSA:
-
Não. Um lar... Olha bem... É diferente de tudo que já vimos.
VALTER:
-
nenhum lugar é melhor que o seio da família.
NERISSA:
-
Se quiser, podemos fazer uma visita. Conhecer...
VALTER:
-
Você esta louca.
NERISSA:
-
Solicitei a visita de um representante...
VALTER:
-
Não fez isso.
NERISSA:
-
Fiz.
VALTER:
-
É imperdoável.
NERISSA:
-
Acho bom você dar atenção. A situação aqui em casa esta ficando insustentável.
VALTER:
-
Realmente esta.
NERISSA:
-
Se continuar... Você terá que escolher.
VALTER:
-
Escolher?
NERISSA:
-
Sim. Escolher. Ou eu, ou ele. Os dois não dá.
OBERON:
-
Não será preciso.
VALTER:
-
Pai?
OBERON:
-
Sua mulher tem razão. Estou incomodando.
VALTER:
-
Nada disso.
OBERON:
-
Estou sendo demais.
VALTER:
-
Não está. É meu pai.
OBERON:
-
Não posso atrapalhar sua vida.
NERISSA:
-
Deu para escutar atrás da porta seu Oberon?
OBERON:
-
Sou velho, mais não sou surdo.
NERISSA:
-
Devia agradecer por todos esses anos...
VALTER:
-
Chega Nerissa!
NERISSA:
-
Chega mesmo. Estou no meu limite. (Sai)
OBERON:
-
Ela tem razão.
VALTER:
-
Está louca.
OBERON:
-
Filho já vivi o bastante... Não destrua
sua família por causa de um velho.
VALTER:
-
Para. O senhor não é um velho... É meu pai.
OBERON:
-
E por ser seu pai, filho, te peço, ouça sua mulher.
VALTER:
-
Isso é loucura.
OBERON:
-
Acha que ficarei feliz aqui sabendo da insatisfação da sua mulher por causa da
minha presença?
VALTER:
-
Oh, pai...
OBERON:
-
Por mim... Ouça o que ela tem a lhe dizer.
VALTER:
-
Mas pai...
OBERON:
-
Ficarei bem. Vá com ela conhecer este lugar. Pode ser bom.
VALTER:
-
Não posso fazer isso. Vai contra meus princípios.
OBERON:
-
Tem hora que temos que tomar certas decisões mesmo contra nossa vontade. Mas
são decisões para o bem de todos. (Sai)
VALTER:
-
Droga! Que situação?! (Sai)